São Paulo, sexta-feira, 12 de janeiro de 1996
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A modernidade em ondas

LUIZ FERNANDO FURQUIM

Os momentos que antecedem a decolagem em avião nos dão a impressão de uma eternidade, mas quando sentimos que os cintos estão bem apertados, que não há turbulência e que já estamos no ar, ficamos aliviados.
É dessa forma que o Brasil prepara-se para entrar em um mundo novo. Imaginem um mundo sem fios, da fibra ótica, do celular e de satélites. Tudo isso vai modificar nossos hábitos, fazendo-nos alcançar o que já se convencionou chamar de modernidade.
Numa tentativa de acelerar a lenta abertura do setor às empresas privadas e recuperar o tempo perdido de investimentos estatais na área de negócios que mais rapidamente se expande no mundo, o presidente FHC e o ministro Sérgio Motta, das Comunicações, expediram um conjunto de três decretos, duas portarias e um projeto de lei.
O projeto de investimento prevê a aplicação de R$ 110 bilhões até o ano 2003. Mudam as regras para concessão de rádios, TVs e outros serviços via rádio (celular, "pager", "trucking"), o que em outras palavras significa que as concessões serão feitas por licitação, onde serão considerados aspectos técnico e financeiro. E ninguém mais ganhará o serviço de graça, tudo vai ser pago.
Neste país campeão de desigualdades, com 23% de analfabetos, o rádio e a televisão tornaram-se há muito a principal fonte de informação de grande parcela de nossa população. O último censo do IBGE traz uma revelação surpreendente: o país tem mais televisão do que geladeira, a despeito das condições tropicais. São 45 milhões de televisores espalhados entre 32 milhões de domicílios.
Pensa-se agora numa nova divisão das ondas radiofônicas, o que tornará possível conseguir a expansão dos 30 milhões de canais, podendo-se chegar aos 180 milhões. Como informação é poder, e todos sabem que os políticos buscam incansavelmente votos de seu eleitorado e estão sempre atentos ao seu comportamento, há muito se vislumbrou nas concessões uma poderosa arma eleitoral.
As concessões eram verdadeira festa à custa do patrimônio público. Acontece que os decretos de FHC estabelecem novas regras de outorgas de serviços de radiodifusão, impedindo a participação de parlamentares nas concorrências e direção das empresas vencedoras.
Mudam as regras. Desta vez é exigido dos dirigentes de empresas concessionárias de serviço público de radiodifusão que não estejam no exercício de mandato eletivo que lhes assegure imunidade parlamentar ou de cargo ou função da qual decorra foro especial. Caso o parlamentar já seja dirigente de uma empresa, se for eleito novamente terá de deixar o posto na empresa para poder assumir o mandato eleitoral.
Uma das muitas diferenças entre o Brasil e as nações do Primeiro Mundo é que nessas há medidas que tentam evitar o monopólio da informação. Aqui as empresas de televisão se multiplicam mais do que os pães daqueles que seus líderes dizem seguir. É o milagre das ondas. A Igreja Universal do Reino de Deus, além de suas 26 rádios, tem hoje a terceira rede de TV com concessão própria do país: 14 emissoras. Só as famílias Marinho (da Globo, com 17) e Sirotsky (da RBS, com 14) ganham do poderoso chefão Edir Macedo.
Ao mexer nesse verdadeiro vespeiro, a primeira reação às medidas tomadas pelo ministro Sérgio Motta poderiam ser vistas como trabalho executado por um trator pela classe política, já acostumada a viver do patrimônio público. A reação foi noutro segmento. Acostumados ao risco da aventura e, muitas vezes, audazes quando a situação exige, coube aos empresários do setor exibir as primeiras entropias -e o ruído do descontentamento aumentou de volume.
Bastou o governo falar em aumentar o número de emissoras de rádios que os empresários manifestaram temor pelas quebradeiras. A argumentação é a de que se o país não vive numa situação tão boa quanto eles queriam com 3.000 emissoras, imagine quando tiver 10 mil. Fala-se inclusive na possibilidade de ficarem mudos, de saírem do ar.
No Ministério das Comunicações há quase 7.000 pedidos de novas concessões -são 2.946 emissoras de rádio que dividem um faturamento de US$ 300 milhões ao ano. De janeiro a setembro de 1995 foram investidos US$ 155,8 milhões, um crescimento de 62,5% diante dos US$ 95,8 milhões contabilizados nos nove primeiros meses de 1994.
Foi um crescimento acima da média. De acordo com os especialistas da área, se tivessem tido mais aplicação, teriam crescido como as mídias concorrentes: jornal, 78,2%; revistas, 76%. Portanto, é muito barulho por nada.
Quando se fala em verdadeira revolução na fibra ótica, que com a espessura de um fio de cabelo permitirá a transmissão simultânea de 1 milhão de conversas telefônicas, há também a possibilidade de aumentarmos a frequência de AM de uma faixa que vai de 540 a 1.700 quilohertz, mas mesmo assim há resistências -e não são poucas.
Abrir licitações às concessões e aumentar o número de emissoras só vai trazer a possibilidade de o setor captar mais publicidade, gerar mais negócios, aumentar de vez os meios de radiodifusão com mais democracia para todos. A modernidade, como estamos vendo, está vindo pelas ondas.

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