São Paulo, sábado, 13 de janeiro de 1996
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David Mamet abraça o maniqueísmo em 'Oleanna'

NELSON DE SÁ
DA REPORTAGEM LOCAL

Mara Carvalho é uma surpresa. Antonio Fagundes, se não chega a ser surpresa, pois seu talento é conhecido, certamente envolve, catalisa como não conseguia há algum tempo. Também Ulysses Cruz, um diretor plenamente amadurecido, depois de batalhas ganhas e perdidas.
O problema desta vez é o autor. O americano David Mamet, em "Oleanna", de um lado expõe como em raras vezes a capacidade de manter o conflito queimando, intermitente, no palco.
Não há nada, em absoluto, de defensável nas atitudes da jovem aluna.
É um ser primário, incapaz de reconhecer os esforços de racionalização do professor universitário, a quem cobre com um manto de preconceito politicamente correto, caracteristicamente feminista.
"O meu grupo", repete ela, sem parar.
Aproveita-se dele, das menores atitudes, para não apenas destruir a sua carreira universitária, como para dominá-lo, para subjugá-lo intelectualmente.
Além de intrometer-se na família dele ("e não chame a sua mulher de 'meu anjo"'), o que já a transforma numa caricatura da malvada, ela chantageia o professor ao limite de obrigá-lo à autocensura, para que leve o seu próprio livro, as suas próprias idéias ao índex (apresentando "uma lista de livros que nós consideramos questionáveis").
O problema maior é que o maniqueísmo, como acontece em melodramas assim, resulta em seu gêmeo, a obviedade.
Dicotomia
A peça tem um primeiro ato em que os personagens seguem determinada caracterização, em que a tímida aluna é oprimida pelo professor; passa a outro que prepara o terceiro, em que os papéis se invertem por inteiro. Dicotomia.
Para encerrar, o arremate adequado: um golpe de teatro.
O maniqueísmo estabelecido é rompido ao final por sua também inteira contradição, o que deveria, imagina-se, levar os espectadores a pensar ou repensar as opiniões erguidas no decorrer da apresentação.
É um exagero de esquematismo e engajamento, bem próprio das batalhas PCs e anti-PCs de alguns anos atrás, na universidade americana e no entorno. Um esquematismo que tira a graça de "Oleanna", quase uma peça de propaganda.
Mas personagens-problemas, como os de David Mamet nesta peça, por vezes também podem fazer a felicidade dos atores.
Antonio Fagundes, experiente, consegue dar complexidade ao personagem e chega a entrar pelo humor, a tripudiar sobre os exageros da maldade.
"Você me odeia?", diz ela, perto do final. "Sim", responde ele, rindo e fazendo rir. Ou ainda, "você é muito perigosa".
Poderia fazê-lo mais, em benefício do espetáculo.
Também Mara Carvalho, que alcança alguns momentos inesperados de interpretação, levada pelo domínio que o dramaturgo norte-americano tem da arte do diálogo.
Mas é dela, certamente, a carga maior. Não há como escapar da armadilha da personagem. Ela não tem, como no Shylock de Shakespeare, ou no Roy Cohn de Tony Kushner, justificativas, pelo menos desculpas.
Ou, ainda, as suas poucas e primárias justificativas são desmoralizadas, ridicularizadas uma a uma, no correr da peça, e não têm como ser salvas por um golpe de teatro.

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