São Paulo, domingo, 14 de janeiro de 1996
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Governo prevê juros pela metade em 96

CARLOS ALBERTO SARDENBERG
ENVIADO ESPECIAL A BRASÍLIA

"As taxas de juros já estão caindo e vão cair mais. O jogo já mudou e as pessoas ainda não perceberam".
A frase é do ministro da Fazenda, Pedro Malan, em entrevista exclusiva à Folha.
O governo pretende fechar 1996 com uma taxa média de juros reais na casa dos 15%, metade dos 30% registrados em 1995, conforme previsão do Banco Central. E Malan concorda com o prognóstico. Juros reais são aqueles cuja taxa fica acima da inflação.
No ano passado, eles foram em média entre 2% e 3% ao mês. Se confirmada a expectativa do governo, a taxa real média fecha 1996 na casa entre 1% e 2% mensais.
A frase de Malan sobre os juros foi dita num raríssimo momento em que ele parecia perder a paciência diante da repetição desse assunto.
E até havia motivo para falta de paciência. Eram quase 23h da última quinta-feira, a entrevista chegava ao fim, mas o ministro ainda tinha "alguns papéis para ver" no seu gabinete, em Brasília.
Só chegaria em casa lá pelas 23h, para uma sessão noturna de natação, hábito que o carioca Malan mantém há anos.
Paciência
Quanto aos juros, o ministro, na verdade, nunca perde a paciência de verdade.
O que ele demonstrava ali era sua fortíssima convicção no acerto da dura política de contenção de consumo, com juros altos e restrição ao crédito.
Para Malan, essa política literalmente salvou o Plano Real, foi mantida no tempo certo e começou a ser flexibilizada somente quando a equipe julgou oportuno e não por causa das críticas.
Para 1996, ele garante que não há motivos para sustos inflacionários, embora diga que falta um "bom par de anos" para se dizer com certeza que a inflação acabou no Brasil.
Ambiente
Mas o ambiente certamente já mudou. A política de juros "extremamente altos" ficou para trás.
Durante a entrevista, Malan fez ainda um balanço do seu primeiro ano como ministro da Fazenda, "um emprego difícil", mas no qual ele se sente muito à vontade.
Tem motivos: a inflação está no chão, "como quer a ampla maioria dos brasileiros", comenta.
Leia a seguir os principais trechos da entrevista.
*
Folha - A política de contenção do consumo foi a mais criticada do ano, dentro e fora do governo. Foi difícil mantê-la?
Malan - Teríamos sido muito mais criticados se não tivéssemos feito nada e o Plano Real tivesse fracassado. Com o superaquecimento da economia no início de 1995, a inação do governo significaria simplesmente uma aceleração da inflação, com risco real de fracasso do programa.
Folha - Foi difícil convencer o presidente FHC, um político, a aceitar essa política impopular?
Malan - O presidente tem uma grande qualidade. Por um lado, é um político de sensibilidade. Por outro, é uma pessoa racional que entende argumentos quando são apresentados. E ele tem um compromisso com a preservação do programa de estabilização.
Folha - O presidente FHC reclama da taxa de juros com o ministro Malan, como o então presidente Itamar Franco reclamava com o então ministro Fernando Henrique Cardoso?
Malan - Não é uma questão de reclamar. Nós conversamos sobre isso. Há um perfeito entendimento e, de todo modo, a taxa de juros está caindo desde agosto de 1995.
É curioso que algumas pessoas tenham o mesmo discurso quando a taxa de juros da economia estava em 4,26%, o pico, em março de 95, e quando ela está agora em 2,6%, numa trajetória de queda.
Folha - O senhor nunca se preocupou com o fato de tantos economistas, à esquerda e à direita, e quase todos os políticos estarem criticando os juros altos? Não lhe ocorreu que pudesse estar errado?
Malan - Há dois tipos de crítica. Uma é puramente política -uma espécie de um concurso para ver quem é capaz de produzir o adjetivo mais altissonante para os juros: estratosféricos, ionosféricos, pornográficos, esotéricos, exorbitantes, letais, assassinos...
Folha - Qual o seu adjetivo?
Malan - O meu sempre foi taxas extremamente altas, como foram no pico, ou insustentavelmente altas. Tanto que, desde o início, anunciamos que cairiam.
Folha - E qual crítica o senhor leva em conta?
Malan - A que faz, por exemplo, o economista Ibrahim Eris. Em um debate com ele, no mês passado, eu desafiei os economistas a que dissessem para quanto a taxa de juros deveria cair. Eris aceitou o desafio e fez uma exposição extremamente competente, para propor, segundo ele mesmo, taxas decentemente altas e não indecentemente altas.
Ele explicitou algumas hipóteses (câmbio, inflação, crescimento) e colocou os números dele -os juros estavam em 2,8% e ele achava que poderiam ir a a 2,3% em março, com 2% mensais na média do ano. Essa é uma discussão relevante. E note que a diferença é muito pequena. Os críticos acham que a taxa poderia estar de 0,1 a 0,3 ponto percentual abaixo do que está.
Folha - O início da flexibilização da politica monetária, em agosto, foi no tempo considerado certo pela equipe econômica ou as pressões políticas anteciparam as medidas?
Malan - Foi no tempo que considerávamos adequado. Não entram considerações de natureza estritamente política nessa questão.

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