São Paulo, domingo, 14 de janeiro de 1996
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Momento de maior tensão foi a crise mexicana

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Folha - Quais foram os momentos em que o senhor mais temeu pelo Plano Real, em 1995?
Malan - O ano começou sob o pânico da crise mexicana. E havia uma percepção, equivocada, de que o Brasil estaria inevitavelmente seguindo o mesmo destino. Nós dissemos que o Brasil não seria o México e conseguimos virar o jogo, mas foi um período difícil. Perdemos de US$ 5 bilhões a US$ 6 bilhões em reservas.
Folha - A primeira mudança da política cambial, em 6 de março, uma segunda-feira, foi o pior momento?
Malan - Essa segunda-feira, por uma incrível conjunção, foi o pior dia nos mercados internacionais. Vinham notícias de deterioração da situação mexicana e da argentina. Foi o dia em que o iene chegou a 86 por dólar, nível mais baixo. Havia enorme incerteza, perplexidade e pânico no mercado internacional. E que nos atingiu.
Folha - Naquela semana o senhor chegou a pensar que tinha perdido o plano?
Malan - Não. Mas foi uma semana particularmente tensa até quinta, dia 9. Nesse dia, redefinimos a banda de variação do dólar e a partir daí a situação se restabeleceu. Mas foi difícil. Tivemos que lidar com o pânico da crise mexicana e com o superaquecimento da economia.
Folha - Circula uma tese segundo a qual o nível de inflação já está bom e que agora é preciso crescer. E para isso, pode-se até ter um pouco mais de inflação. Que acha?
Malan - É um equívoco monumental. Significa simplesmente o seguinte: vamos voltar a tributar os pobres, porque é mais fácil. Pobre não se mobiliza em grandes passeatas, não tem carro de som na frente do ministério, está disperso. Um dos grandes ganhos do real foi justamente tirar o imposto inflacionário das costas da população mais pobre. Pretender voltar a esse imposto é anti-social.
Folha - Mas quando então haverá espaço para crescimento?
Malan - Até parece que a economia brasileira está numa profunda recessão. Esta é uma impressão profundamente equivocada. Em 95, crescemos em torno de 4%, o que não é recessão nem no Brasil nem em qualquer outro país. Recessão foi o nós tivemos nos três primeiros anos da década de 90. Ou nos três primeiros da década de 80. E sempre com inflação ascendente. Compare com o período mais recente: crescimento de 4,2% em 93, de 5,7% em 94, em torno de 4% em 95, vai ser próximo disso em 96 e mais do que isso em 97 e 98. Serão seis anos consecutivos de aumento expressivo da renda real per capita, com inflação caindo de milhares por cento em 93 para taxas civilizadas.
Folha - Quer dizer então que 4%, 5% estão bons?
Malan - Podemos voltar aos 7%, desde que aumente a taxa de poupança na economia brasileira. A poupança externa aumentará, mas não muito; a poupança doméstica privada, estamos estimulando e deverá crescer com a redução do "custo Brasil". E na área pública, o problema é eliminar o déficit, que é uma despoupança.
Folha - O déficit público aumentou em 1995. Qual a causa principal, a taxa de juros ou a folha de salários?
Malan - No caso dos Estados e municípios, onde o déficit mais aumentou, é o excesso de gastos correntes sobre as receitas que, diga-se de passagem, cresceram muito. Os Estados não estão pagando juros da dívida em títulos e por isso a dívida está crescendo já que os juros não pagos são incorporados ao principal.
Quanto à dívida antiga, negociada em 1993, os Estados estão pagando, mas os juros aí são fixos, de 6,4% ao ano em média. Portanto, o problema não está aí.
Folha - Mas está nos juros que os Estados pagam pelos empréstimos que tomaram neste ano?
Malan - É verdade que muitos Estados fizeram as operações de antecipação de receita -e aí os juros são caros, de 6,5% ao mês em média. Mas os Estados tomaram esses empréstimos para cobrir excesso de gastos correntes. E nestes gastos, a folha de salários do funcionalismo e de aposentados é o principal componente.
Assim, no déficit dos Estados e municípios, dois terços devem-se ao aumento de gastos correntes e um terço aos juros, mas parte ponderável desses juros se refere a empréstimos tomados para cobrir gastos correntes. A raiz do problema está, portanto, nos gastos correntes, despesas com salários e com a administração.
Folha - Já no caso do governo federal, o aumento do déficit deve-se mais aos juros.
Malan - Mas esses juros vêm declinando. A queda já foi significativa. E com isso, em 1996, os gastos com juros da dívida pública serão muito mais baixos. Insisto: os juros estão caindo, vão cair, o jogo já mudou e as pessoas ainda não perceberam.
Folha - É boa a previsão de que o governo gastará com juros a metade do que gastou em 95?
Malan - É por aí. E esses são os grandes desafios do Plano Real -reduzir o "custo Brasil" e reduzir o déficit público. Conseguindo isso, mantendo-se a inflação em baixa e avançando em privatizações, o governo poderá cuidar do que efetivamente importa, que é lidar com a área social.
Folha - Em dezembro, com a crise da pasta rosa, Econômico, perspectivas de vendas ruins de Natal, chegou-se a especular sobre a troca de ministros, inclusive o senhor. De repente, em janeiro, parece que está tudo bem. A que atribui isso?
Malan - Não sei se houve mesmo mudança de ambiente ou se tudo não passou de alaridos do dia. Para quem, como eu, está olhando não essas futricas do momento, mas no médio e longo prazo, vejo o governo caminhando numa direção coerente desde o início. Não dou importância a essas coisas que surgem e vão rapidamente.
Folha - Teve de segurar pedidos de demissão no BC?
Malan - Não.
Folha - E como se sente depois de um ano no cargo?
Malan - É um dos empregos mais difíceis que eu possa imaginar. Mas eu tenho a expectativa de dar uma modesta contribuição para o país que gostaria de deixar para meus filhos e netos.
Folha - Quando começou o governo FHC, o senhor não era considerado o ministro mais forte da área econômica e se previa uma disputa dentro do governo. Como vê a situação agora, quando a política defendida pelo senhor funcionou?
Malan - Sempre achei um besteirol aquela discussão inicial. Tenho um relacionamento com o presidente que vem de longa data. Temos excelente comunicação, nos falamos várias vezes ao dia, toda vez que é necessário.
Não entendi muito a natureza daquelas reportagens. Preocupei-me com meu trabalho. Agora, o cargo não é meu, é do presidente. Enquanto eu tiver a confiança dele ou achar que continuo merecendo a confiança dele, continuo fazendo meu trabalho.

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