São Paulo, domingo, 14 de janeiro de 1996
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Crise japonesa ainda está longe do fim

GILSON SCHWARTZ
DA EQUIPE DE ARTICULISTAS

Enquanto a China fechou 95 com um crescimento econômico de 10,2%, a crise econômica e política japonesa continua inspirando os mais céticos prognósticos.
A renúncia do primeiro ministro Tomiichi Murayama, na semana passada, é sintoma de desequilíbrios que começaram nos anos 80.
O momento é rico em paradoxos. Murayama, socialista que nos anos 60 criticou o acordo militar entre Japão e EUA, no poder tratou de fortalecê-lo. Afinal, o crescimento chinês pode ser "explosivo" em vários sentidos.
Mas Murayama também entrou em contradição na área econômica. Levou seu partido a aceitar o imposto sobre o consumo, contra o qual lutara por anos a fio.
Em 95, quando o mundo comemorava a derrota do Eixo na Segunda Guerra, Murayama teve de se contentar com declarações mornas sobre o passado militarista japonês, cedendo às pressões do Partido Liberal Democrata (PLD).
O resultado desses paradoxos e mudanças de posição foi uma rápida perda de base eleitoral.
No mesmo ano em que Murayama fazia esses malabarismos políticos, o Japão passou pelo terremoto que destruiu Kobe, por ataques terroristas de uma seita de religiosos e por mais alguns episódios de colapso financeiro.
Tudo isso num ambiente perigosamente próximo à estagnação econômica. Uma situação na qual destinar US$ 6,5 bilhões para salvar o sistema bancário do colapso é visto por muitos como impopular, por outros como inútil.
A crise política continua. Mal assumiu o cargo de primeiro ministro, Ryutaro Hashimoto, presidente do PLD, sofre críticas de Ichiro Ozawa, que pede a convocação de eleições gerais. O Japão está longe da estabilidade política.
Na economia, há pouco para mudar. Mais gastos públicos, juros baixos e desregulamentação gradual são os três pilares para estimular o crescimento econômico.
Mas os obstáculos são significativos. Alguns exemplos: o esgotamento de uma onda de investimento intensivo, que levou a uma crise financeira sem precedentes; e o ambiente de abertura da economia.
A política econômica não pode mudar muito e os problemas estruturais não têm solução no curto prazo. A escolha de homens-chave ganha importância maior e se agrava o conflito entre aqueles que se consideram aptos para o papel.
A disputa entre Hashimoto e Ozawa se encaixa nesse figurino, além de ser mais um capítulo na disputa de facções, que sempre marcou a política japonesa. Os dois são discípulos de Kakuei Tanaka e começaram suas carreiras em meados dos anos 60.
O resgate do sistema financeiro japonês será o principal campo de batalha entre os dois. O mais provável é a aprovação do plano, em março, mas Ozawa promete dar trabalho. Afinal, Hashimoto era ministro das Finanças entre 89 e 91, quando se acumularam os problemas que levaram à crise atual.
Na origem dos desequilíbrios, estão interesses políticos bem definidos. Quando comandou o Ministério das Finanças, Hashimoto foi liberal na regulamentação de operações de cooperativas agrícolas. Quando os bancos estavam proibidos de emprestar para companhias imobiliárias, ele deu carta branca para as cooperativas continuarem com esse tipo de especulação.
Mas a base eleitoral do oposicionista Ozawa é predominantemente urbana. O conflito de personalidades é também um conflito de lideranças e, portanto, de interesses econômicos.
A política japonesa confirma essa regra e patina entre direcionar recursos para salvar os setores afetados pela crise e avançar com reformas que podem até piorar a posição relativa desses setores. No Japão, o setor agrícola é um dos mais afetados pelas reformas.
A imagem do "consenso", repetida por muitos especialistas em Japão como a principal explicação para o "milagre", derrete a olhos vistos e por razões tão prosaicas quanto as que destruíram outros "milagres". A explicação do consenso era um sistema político de partido único, que não resistiu ao tempo e à crise econômica.
O crescimento chinês, enquanto isso, incomoda. As relações com os EUA ganham importância. Atender às exigências de abertura econômica também.
Isso dificulta ainda mais o consenso interno, numa espiral em que os desequilíbrios se acumulam e colocam em dúvida a solidez do "bloco asiático", que, até há poucos anos, parecia indiscutível.

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