São Paulo, domingo, 14 de janeiro de 1996
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A última obra de Eliezer

LUÍS NASSIF

Em plena agonia, o ex-presidente Fernando Collor convocou os chamados "notáveis", para tentar uma sobrevida impossível ao seu governo.
A crise abriu a oportunidade para que o ex-ministro Eliezer Baptista tentasse implementar um conjunto de idéias grandiosas, de reconstrução da infra-estrutura brasileira.
Homem que surgiu na vida pública no final dos anos 50, Baptista notabilizou-se por transformar a Vale do Rio Doce na mais eficiente estatal brasileira e por uma capacidade turbilhante de montar megaprojetos. É dele, por exemplo, o projeto de Grande Carajás.
Durante escassos meses, graças ao trabalho de Eliezer, a administração pública brasileira viu-se dotada de vida inteligente e recuperou sua capacidade de pensar a longo prazo.
Montou-se uma equipe central de 52 pessoas, coordenando trabalhos específicos solicitados pelos diversos ministérios. Um dos projetos mais relevantes, dentro do chamado "custo Brasil", era o da reconstrução da malha ferroviária brasileira.
Eliezer chamou para coordenar o grupo o engenheiro Renato Casali Pavan, um empreiteiro paulista responsável pela construção dos terminais modais do Ceasa, levado para o governo federal pelo ex-ministro Dilson Funaro.
Buraco negro
A Rede Ferroviária Federal (RFF) cobria quase todo o país. Mas havia um buraco negro em São Paulo, justamente o centro industrial mais relevante, e onde se situava o mais importante porto da América Latina -o de Santos.
Os estudos constataram que, se houvesse a possibilidade de integrar a malha da Fepasa à da RFF, ter-se-ia a cobertura integral do território brasileiro, abrindo-se a possibilidade de atrair grandes operadores internacionais, barateando sensivelmente item importante do "custo Brasil".
O impeachment paralisou o processo. Eliezer voltou para casa e incumbiu sua equipe de entregar as conclusões dos diversos trabalhos ao novo governo. Mas o gênio administrativo do grande Itamar Franco estava preocupado com questões mais transcendentais. Um ministro empurrou para outro, e os trabalhos foram mofar em uma gaveta qualquer do governo.
Desde então, os ex-integrantes dos GTs de Eliezer iniciaram um trabalho solitário de catequese, tentando convencer o Congresso e órgãos do Executivo da necessidade de integrar as malhas ferroviárias.
Banespa e RFF
Com as eleições, Pavan foi convocado pelo governador Mario Covas para presidir a Fepasa -empresa que nos últimos anos fora alvo de loteamentos políticos irresponsáveis. No cargo, tentou integrar a Fepasa à RFF. Mas esbarrava em exigências burocráticas para se atrelar ao programa de desestatização do governo.
Quando o caso Banespa exigiu a utilização de estatais paulistas para quitar débitos junto ao governo federal, Pavan viu a possibilidade de colocar em marcha os planos de Eliezer. Sugeriu, então, incorporar a Fepasa à RFF e deixar por conta do BNDES a privatização da empresa, obtendo adiantamentos por conta da venda futura.
Os primeiros estudos demonstraram que a mera incorporação aumentou o valor da concessão da Fepasa entre 20% e 60%, dependendo do trecho.
Com a incorporação, a malha ferroviária permitirá que produtos do Uruguai e do Centro-Oeste cheguem até o porto de Santos.
Dentro de seis meses, os editais de privatização da Fepasa estarão na rua. A concessão valerá US$ 200 milhões. Quem vencer, se comprometerá a investir mais US$ 1,5 bilhão em 20 anos.
A velha máxima nacional -da necessidade de se estimular o transporte ferroviário-, que frequentava as aulas dos que têm 50 anos, os debates estudantis dos que têm mais de 40 anos, se tornará realidade.
Desde já, o programa ferroviário brasileiro -que se iniciou com a integração da Fepasa à RFF e se completará com sua privatização- configura-se como uma das mais importantes reformas estruturais contemporâneas.
Em seu hábitat carioca, com problemas de saúde, o construtor de país, Eliezer Baptista, mais uma vez demonstrou o invencível poder transformador das idéias e o papel fundamental que pode ser exercido por núcleos de inteligência do poder público -ainda que só consigam se manifestar nos períodos tão escassos, que entremeiam a agonia e a morte de governos.

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