São Paulo, domingo, 14 de janeiro de 1996
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Que venham os cantores

Foi relativamente rápida a elevação dos preços neste início de ano. Mas ela em nada se assemelha à dos tempos em que a uma alta seguia-se sempre outra maior.
Segundo o Índice de Preços ao Consumidor calculado pela Fipe, a prévia mensal da primeira semana da janeiro acusou inflação de 1,67%, contra 1,21 em dezembro. Aferido pelo IGP-M da Fundação Getúlio Vargas, o ritmo de alta dos preços saltou de 0,32% no mês passado para 0,95% na primeira quadrissemana de janeiro.
Apesar dessa aceleração talvez imprevista, são majoritárias as estimativas de que se trata de uma pequena lombada, não o início de uma ladeira. Ainda assim, a estabilidade mantém-se sobre fundamentos precários. Se o país já não vive sob o fantasma de uma espiral de preços que se auto-alimenta, tampouco consolidou o combate à inflação, pois isso depende de reformas que equilibrem de modo mais permanente as contas públicas.
Como escreve o economista Thomas Sargent, em boletim do Banco Garantia, "o Plano Real, por enquanto, é a chuteira à espera do jogador, a orquestra de ópera aguardando a chegada dos cantores. Até agora, a platéia se satisfez com os sinais de que haverá um espetáculo. Mas ele ainda não começou".
Na questão do ajuste das contas públicas, o país na prática retrocedeu. O déficit da União, Estados e municípios aumentou em 95. O déficit operacional (descontada a inflação), que foi de 1,3% do PIB em 94, está estimado em cerca de 4% do PIB para o ano passado. Grande parte dessa deterioração, é verdade, deve-se aos brutais excessos na política de juros, que afetaram não apenas o governo federal, como também os Estados e municípios endividados. Sem falar dos prejuízos impostos à sociedade.
Nesse sentido, não é preciso ser um observador externo, como Sargent, para criticar o acúmulo excessivo de reservas, notando que "é um mundo estranho esse em que diretores de empresas privadas ficariam desacreditados se tomassem emprestado a 30% e investissem a 5%, enquanto diretores do BC são elogiados por sua prudência" ao fazer a mesma coisa.
O uso de um remendo monetário para conter a inflação tem limites. E a credulidade da sociedade civil no ajuste fiscal também. Já é hora de entrarem os cantores.

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