São Paulo, sábado, 20 de janeiro de 1996
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Caminhos de solidariedade

LUCIANO MENDES DE ALMEIDA

As teses do neoliberalismo aceleram a redução de operários, o fechamento de fábricas não-competitivas. O desemprego continua golpeando duramente a classe trabalhadora na maioria de nossas cidades.
O empobrecimento crescente da população nos países do continente é fruto do avanço dessa mentalidade que prioriza as leis do mercado sem atender aos que não têm condição de trabalho e salário. Não é possível frear tanto sofrimento?
Diante desse fato, percebe-se frieza e fechamento de coração por parte daqueles que acumulam bens para si. Essa insensibilidade diante das privações que afligem os pobres vulnera cada vez mais a fraternidade evangélica e lesa os fundamentos de uma convivência democrática e pacífica.
Nem é difícil explicar o surto de violência, com aumento de assaltos, roubos e sequestros. Quem não é respeitado na própria dignidade de pessoa acaba desrespeitando os demais.
Hoje, fala-se mais de solidariedade. Falta, no entanto, uma conversão radical que anime as urgentes transformações sociais. Temos de evitar, quanto antes, o acirramento dos ânimos, resultante das injustiças do desnível econômico.
Para isso não bastam leis se não houver a atitude profunda de quem descobre a dignidade dos pobres e o direito que lhes compete de usufruir dos bens que Deus criou para todos.
O ensinamento de Jesus Cristo nos ilumina.
Em primeiro lugar, é preciso compreender o aspecto doentio e ilusório de quem acumula riquezas só para si, sem beneficiar os demais. De que adianta a ganância e os "celeiros cheios" frente à brevidade da vida (Lc 12,20)?
A iminência da morte nos faz refletir. Que levaremos conosco de tudo que acumulamos? Jesus nos convida a confiar na providência e a partilhar com os pobres o que temos. Quanto bem poderíamos fazer usando melhor o dinheiro em favor dos empobrecidos!
A segunda lição é de alegria no coração. Quem assume a solidariedade como regra de vida e faz a experiência da doação consegue a liberdade interior e realiza a palavra de Jesus: "Maior a felicidade de quem dá do que de quem recebe" (Atos, 20, 35). A sociedade da afluência tornou-se, pelo contrário, triste, agressiva, receosa de perder os bens, e desconhece a alegria do amor gratuito e generoso.
Enquanto é tempo, precisamos romper a asfixia moral e psíquica do sistema que se alimenta nas teses neoliberais para redescobrir uma outra saída para os nossos países, em que a primazia seja dada à dignidade de toda pessoa, sem excluídos nem excludentes.
A "Cáritas" nacional, entidade católica que coordena projetos de apoio a grupos comunitários, acaba de publicar amplo relatório mostrando que é possível, com poucos recursos e muita união, encontrar algumas soluções adequadas. São, em geral, projetos de produção de renda, valorizando a criatividade das comunidades locais e oferecendo-lhes assessoria técnica e os primeiros recursos para implantação.
As comunidades cristãs, conscientes do mandamento do amor, têm o dever de continuar procurando formas de partilha e solidariedade que, com geração de empregos, capacitação ao trabalho, promovam os desfavorecidos e abram caminho para uma convivência fraterna.

D. Luciano Mendes de Almeida escreve aos sábados nesta coluna.

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