São Paulo, terça-feira, 23 de janeiro de 1996
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Greenway rejeita interatividade no cinema

AMIR LABAKI
DA EQUIPE DE ARTICULISTAS

A metralhadora giratória de Peter Greenaway volta a funcionar. O diretor de "Os Livros de Próspero" ataca o conservadorismo das comemorações dos 100 anos de cinema, que na Grã-Bretanha atingem o ápice em fevereiro.
Em entrevista exclusiva por fax, Greenaway diz que o cinema comercial vive de "velhas fórmulas", não reconhece nenhum filme que aponte para o futuro e alfineta até mesmo Martin Scorsese.
Convidado a discutir o segundo século do cinema, um dos temas centrais do Festival de Roterdã, que abre amanhã, Greenaway criticou as experiências com interatividade, que visam aumentar o grau de intervenção do espectador.
O mais polêmico dos cineastas britânicos adiantou ainda seu novo projeto e explicou as razões de ter selecionado dois filmes de Hector Babenco para a lista dos mais marcantes títulos da história do cinema. Leia abaixo uma síntese de suas respostas.
*
Folha - Que balanço o senhor faz do debate gerado pelo centenário do cinema, ainda que as celebrações britânicas só agora atinjam o clímax?
Peter Greenaway - Sinto que todo o blá-blá-blá girou em torno da nostalgia do passado. Houve pouca preocupação com o que está acontecendo agora ou virá no futuro. Não ouvi qualquer discussão sobre "frescor". Não peguei ninguém discutindo meu sonho -CD-Rom em Omnimax. Interesses adquiridos por certo querem manter o cinema igual. A existência das novas tecnologias pressiona no sentido que estamos procurando: algo diferente, novo, que contribua para alimentar nossa imaginação.
Folha - Quais filmes apontariam hoje para o futuro?
Greenaway - Gostaria de poder apontar para você um filme com este perfil. Ninguém parece interessado em romper com o sufocante quadro do filme ou em usar telas múltiplas ou em empregar linguagens que a literatura desbravou há décadas atrás. Não há cubismo. Nenhum James Joyce ou Borges. A mesma linguística cinematográfica. Os avanços de Scorsese frente a Griffith não são tão notáveis.
Folha - Como o senhor acompanha as pesquisas do departamento "Filmes do Futuro" do Media Lab do MIT, especialmente sobre a interatividade?
Greenaway - Li e ouvi sobre o que eles andam pensando. Aplaudo tentativas de curar o cinema de seu presente mal-estar. Me interessa libertar o cinema do cinema. Quero romper a ditadura da tela única, encontrar um cinema que fale aos cinco sentidos e não a apenas dois. Interessa-me a simultaneidade. Estou curioso sobre todas as formas de interatividade, embora ainda espere entender como ela será alcançada. Interatividade implica escolhas -pode o novo cinema interativo ser experimentado em massa? Se cada espectador quiser satisfazer seus próprios desejos, como fazê-lo? Haverá um cinema consensual, operado democraticamente por votos, mãos levantadas, botões? Substituiremos a ditadura do cineasta-diretor pela do mais espectador barulhento? É um fato curioso, mas a história do entretimento por quadros dramáticos ou da arte dramática encenada sempre tem sido a de sucumbirmos passivamente frente à subjetividade de um outro. Podemos ser interativos com Michelangelo? Gostaríamos de mudar a forma de seus anjos, as cores do Adão da Capela Sistina, redramatizar "O Dilúvio"? Não consigo pensar em nenhum objeto de arte que tenha sido satisfatoriamente criado pela participação consensual. Foi a decisão comunitária que criou e dogmatizou o realismo soviético.
Folha - O senhor pode comentar a inclusão de "Pixote" e "O Beijo da Mulher Aranha", de Hector Babenco, em sua lista dos filmes mais importantes destes cem anos de cinema?
Greenaway - O primeiro é cândido no conteúdo, episódico na forma e pouco oferece na linha do castigo justo. O segundo, embora adaptado de uma obra literária, compreende o contar de uma história no interior do contar de uma história, explorando a artificialidade da fabricação narrativa. Ambos os filmes até certo ponto alcançaram o "mainstream", embora em suas intenções se afastassem dele.
Folha - Depois de lançar "The Pillow Book", qual será seu novo projeto?
Greenaway - Espero que meu próximo filme seja "The Tulse Luper Suitcase" (A Mala de Tulse Luper). É a história de um homem e suas 16 prisões -um exercício no gênero "quem está dizendo a verdade?".

Texto Anterior: Filme une poesia e sofisticação
Próximo Texto: Festival quer prever futuro
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.