São Paulo, terça-feira, 23 de janeiro de 1996
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Índia proíbe grávida de saber sexo do bebê

GILBERTO DIMENSTEIN
ENVIADO ESPECIAL A NOVA DÉLI

A partir deste mês, as grávidas indianas são as únicas no mundo proibidas de usar a ultra-sonografia para descobrir o sexo dos filhos. Agora, só clandestinamente.
Estimulado pelos movimentos feministas e pela ONU, o governo da Índia promete investigar e punir médicos que entrarem no mercado clandestino da ultra-sonografia.
As clínicas e hospitais privados que realizam testes pré-natais estão obrigadas a registrar todos os aparelhos no Ministério da Saúde. A lei limita o teste a questões ligadas à saúde da criança.
A ofensiva contra o teste para revelar o sexo dos bebês tem por trás evidências de que mulheres indianas praticam o que se chamou de "feticídio" contra as meninas.
O "feticídio", na verdade, é uma discriminação contra as meninas. Ao contrário do que ocorre no mundo, a proporção de meninos na Índia é maior do que a de meninas. Ao recorrer ao ultra-som, ao custo de R$ 12,00, a maioria não busca informações para evitar problemas para a saúde do bebê.
O objetivo é saber se deve tirá-lo, caso seja menina. Na sociedade indiana, especialmente nas zonas pobres e rurais, a menina é vista como um fardo.
Há um popular ditado, segundo o qual ter filha é como regar o jardim do vizinho. Manda o costume que os pais dêem o dote se quiserem ver sua filha casada. Não há possibilidade de uma indiana solteira ser respeitada.
Clínicas de testes pré-natais, explorando o peso do dote, colocam placas, dizendo mais ou menos: pague pouco agora para evitar muito depois.
O aborto na Índia é legalizado e gratuito, numa política de controle populacional. O país tem 900 milhões de habitantes, e a cada ano nascem 25 milhões. Nessa tendência, tende a ultrapassar a China, onde o crescimento é menor.
Os médicos, porém, foram instruídos a não fazer abortos quando a mãe quiser apenas se livrar de uma menina. Usaram como recurso condicioná-lo à esterilização; assim, a mãe revelaria se deseja, de fato, não ter mais filhos.
Muitas apelaram para clínicas clandestinas ou parteiras, onde pagam até menos de R$ 5,00. Outras faziam o aborto em hospitais e, antes da esterilização, fugiam.
Antes do acesso a testes que antecipam o sexo do filho, a prática comum (que ainda existe, embora em menor escala) era matar o recém-nascido, sufocando-o, jogando-o na parede ou envenenando-o.
No folclore indiano, há registro de cantigas de ninar usadas especialmente para o envenenamento de meninas. A mãe cantava ("vá para o céu, não volte e traga seu irmão"), enquanto fazia o bebê deglutir veneno misturado ao leite.

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