São Paulo, quarta-feira, 24 de janeiro de 1996
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O que fazer com o BB

LUÍS NASSIF

A próxima grande discussão nacional será o que fazer com o Banco do Brasil.
O ponto de partida para essa discussão é um documento precioso, que está circulando internamente no banco, produzido por um funcionário -que prudentemente não o assina-, mas que se constitui na melhor proposta de discussão até agora elaborada sobre os modernos meios de articulação da ação do Estado em uma economia moderna.
Intitulado "Um Novo Modelo de Intervenção do Estado na Economia", o documento tem 15 páginas, e trabalha em cima de algumas idéias-força -que coincidem com muitos princípios defendidos pela coluna, desde que passou a divulgar o modelo de empresas públicas controladas por fundos sociais.
O ponto de partida é o modelo italiano da IRI -a grande holding estatal, mas de direito privado, responsável pela reconstrução da economia italiana no pós-guerra.
O modelo francês de intervenção (adotado pelo Brasil), baseava-se em grandes estatais atuando em setores estratégicos. Esse modelo padeceu de dois males. Um mal brasileiro, que foi a tradição político-burocrático lusitana de loteamento político das empresas. E um mal estrutural, de trabalhar com grandes unidades estatais, centralizadas, que, com a globalização da economia e as novas tecnologias, tornaram-se anacrônicas a partir dos anos 70.
Nesse período, o modelo italiano mostrou suas virtudes. A IRI é uma holding de direito privado, liberta das amarras da administração pública. Como atua acionariamente em um conjunto grande de empresas, abre espaço para a participação do capital privado, já que a quase totalidade das empresas é de capital aberto.
Além de reduzir a influência política sobre suas decisões, o modelo permite todo tipo de combinação entre capital público, privado nacional e privado internacional, servindo de alavanca para o desenvolvimento rápido de setores, para capturar tecnologia e recursos, e viabilizar grandes alianças.
Além disso, a criação ou venda de empresas independe de leis.
Esse modelo flexível fez com que, direta ou indiretamente, passasse pelo IRI cerca de um terço de todos os investimentos efetuados na Itália a partir dos anos 70.
IRI brasileiro
Segundo o trabalho, o BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) é a instituição pública que mais se aproxima do modelo do IRI. Através da BNDESpar, participa acionariamente de uma infinidade de empresas, em diversos setores industriais.
Mas padece de uma fraqueza estrutural: o esgotamento da poupança pública. Há a necessidade de dispor de instrumentos mais eficientes para coordenar poupança privada nacional e internacional -a nacional, representada pelos fundos de pensão, e a internacional, pelos recursos disponíveis nos mercados internacionais, e pelos recursos das grandes agências multilaterais.
Para completar esse novo perfil, faltaria ao BNDES um braço financeiro. Esse braço seria um grande banco múltiplo, com atuação em diversos países, capaz de montar operações de engenharia financeira e operacionalizar as estratégias do BNDES em nível global, dentro da tendência mundial de desintermediação financeira -isto é, de substituição do financiamento convencional por outras formas de capitalização, como as debêntures e "underwritings".
É aí que entraria o Banco do Brasil, que já possui essa especialização e a maior cobertura internacional, dentre os bancos brasileiros.
BB e BNDES
A proposta do trabalho seria o BNDES, através da BNDESpar, coordenar os fundos de pensão para a compra do controle acionário do Banco do Brasil.
O Tesouro Nacional possui 51% das ações com direito a voto e 29% do capital social do banco. Seriam lançadas novas ações no valor de 100% do capital do banco. Essa subscrição seria sustentada pelo BNDES e pelos oito maiores fundos de previdência fechada -num total de US$ 1,6 bilhão, que ajudaria a capitalizar o banco, sem comprometer os limites legais de aplicações em uma única empresa.
Essa alteração mudaria as relações entre Tesouro e BB. Pelo Proer (Programa de Reestruturação do Sistema Financeiro), o Tesouro poderia quitar suas dívidas com o BB, permitindo equilibrar ativos e passivos. Como o BB seria incorporado pelo BNDES, o Banco Central poderia assumir créditos podres, dentro das regras do Proer.
Haveria alteração estatutária, passando para o BNDES e para os fundos a maioria dos assentos no Conselho de Administração. O BB se tornaria uma verdadeira sociedade anônima de economia mista, reduzindo a influência política na sua administração.
Ganhos
Ganha o BNDES, que passaria a contar com um instrumento essencial para operacionalizar suas estratégias industriais. Ganham os fundos, que passariam a atuar em mercados internacionais sofisticados, sem a necessidade de dispor de estruturas complexas, minimizando seus riscos. Ganha o BB, que se viabiliza financeiramente e encontra sua vocação, dentro do novo modelo de globalização da economia. E ganha o país, que poderá dispor do desenho definitivo da grande agência pública de desenvolvimento, contando com os melhores quadros de carreira do funcionalismo, e podendo implementar planos de longo prazo.
Há muita coisa a discutir em torno desse modelo, inclusive as maneiras de disciplinar os fundos e libertá-los de ingerências políticas. Mas o trabalho consegue esboçar, pela primeira vez, uma proposta concreta de rearticulação do setor público e de criação da nova grande agência nacional de desenvolvimento.

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