São Paulo, quarta-feira, 24 de janeiro de 1996
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Rabino paulista abençoa Arafat e reza junto com ele

CLÓVIS ROSSI
ENVIADO ESPECIAL A GAZA

Foi um emotivo e quase surrealista encontro entre o quipá, o solidéu que os fiéis judeus usam como sinal de submissão a Deus, e o "kafiah", o turbante dos árabes que, em xadrez preto-e-branco, tornou-se símbolo da luta dos palestinos contra os judeus.
O rabino Henry Sobel, da Congregação Israelita Paulista, pôs a mão sobre o "kafiah" de Iasser Arafat, presidente da ANP (Autoridade Nacional Palestina), e disse em inglês: "Deus o abençoe".
A insólita bênção ocorreu às 19h (15h em Brasília), no quartel-general da ANP, junto à praia de uma Gaza escura, ruas vazias apesar de já ter terminado àquela hora a abstinência obrigatória para muçulmanos no Ramadã, seu mês sagrado, iniciado domingo.
Sobel, também diretor do Congresso Judaico Latino-Americano, levou a Arafat cumprimentos dos judeus ibero-americanos.
Por mais que palestinos e israelenses tenham trilhado, nos três últimos anos, o caminho da paz, ainda é uma cena rara. Tão rara que surpreendeu até um dos soldados israelenses que controlam a passagem no posto fronteiriço de Erez, que separa Israel de Gaza.
Quando Sobel lhe disse que iria encontrar-se com Arafat, o jovem não se conteve: "Oh, boy", exclamou, para divertimento de seus companheiros que checavam os passaportes da comitiva.
Transposta a "fronteira", a pé (o carro com chapa de Israel não entra em território palestino), o protocolo do presidente Arafat recebe o grupo, aloja-o em dois carros com chapa oficial palestina e dispara para o QG.
É um prédio despojado, à beira da praia, que antes da ocupação israelense (1967) abrigava clube de oficiais do Exército egípcio, o ocupante da época.
Arafat, uniforme verde-oliva, recebe o grupo de Sobel com amabilidade. Beija no rosto até o jornalista da Folha, manda servir o indefectível café árabe (não coado) e começa a conversar, solto.
Diz-se feliz porque havia mais mulheres do que homens nas eleições palestinas. E lembra que as palestinas "sofreram muito. Não podiam sair sozinhas à rua, até um ano atrás", porque eram ameaçadas por radicais islâmicos.
Depois, conta que a reação dos palestinos à morte de "meu parceiro Yitzhak Rabin" (premiê israelense) foi de muita tristeza.
Sempre se refere a Rabin como "parceiro". Sobel devolve: diz que, nas muitas conversas com Rabin, este sempre lhe dizia que queria um Arafat fortalecido para "fortalecer o processo de paz".
O rabino de São Paulo lembra ao presidente palestino uma frase atribuída ao general Golbery do Couto e Silva, ideólogo do regime militar brasileiro, dita aos líderes da oposição: "Segurem os seus radicais que eu seguro os meus".
"Essa é a nossa missão. Segurar nossos radicais e desarmar os espíritos", afirma. Arafat concorda: "É nossa missão. E nós vamos continuar a marcha pela qual meu parceiro Rabin perdeu a vida".
Depois, Sobel pede para ler, em hebraico, o Salmo 37, dedicado às pessoas queridas que morrem, em homenagem a Rabin. Arafat o acompanha em inglês. "Amém", ecoam ao final, Arafat inclusive.
O líder palestino pede para guardar o texto que diz: "Não se desencoraje com os que fazem o mal/ Porque eles vão desaparecer/ Confie no Senhor/ E Ele fará sua correção brilhar luminosamente como o sol do meio-dia./ Os maldosos perecerão/ Mas aqueles que servem o Senhor herdarão a Terra/ E se deliciarão na abundância de paz."

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