São Paulo, quarta-feira, 24 de janeiro de 1996
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Para além dos limites institucionais

LUIZ ANTÔNIO GUIMARÃES MARREY

Aproxima-se a eleição para a escolha de lista tríplice a ser submetida ao governador para o provimento do cargo de procurador-geral do Estado de São Paulo, com mandato para o biênio 96/97.
A Constituição de 1988 erigiu o Ministério Público à condição de instituição essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis.
Entre outras atribuições, deve a instituição promover a ação penal pública, defender o patrimônio público e social, o meio ambiente, os direitos do consumidor, exercer o controle externo da atividade policial. O Ministério Público há de ser independente e sintonizado com as necessidades e anseios de uma sociedade em transformação.
É imprescindível que se tenha a sensibilidade para eleger prioridades, tais como: o efetivo fim da impunidade da corrupção e do mau uso do dinheiro público; o combate à violência, parta ela de pessoas do povo ou de agentes públicos, de maneira individual ou organizada; o efetivo cumprimento do Estatuto da Criança e do Adolescente.
Respeitada a independência funcional de cada promotor, devem ser definidas políticas públicas claras de defesa do consumidor e do meio ambiente, de proteção aos direitos da pessoa humana, de promoção do acesso de todos à plena cidadania e à Justiça. Deve-se estudar novas formas de intervenção nos conflitos sociais.
Entre outros, dois temas merecem especial atenção: os danos ao patrimônio público e as atividades da criminalidade organizada. A sociedade está farta de discursos a respeito de ambos os assuntos. Periodicamente fala-se na necessidade de alterações legislativas que não se concretizam e iniciativas tidas como infalíveis... É necessário que se passe efetivamente da retórica à ação, dentro do cenário legal vigente.
Inaceitável que muitas investigações de atribuição da Procuradoria Geral, tendo por objeto a prática de dano ao patrimônio público, levem dois anos ou mais, acarretando verdadeira situação de impunidade e gerando injusta situação de indefinição quanto à condição jurídica de pessoas suspeitas de causar prejuízo ao erário. Há de se demonstrar clara vontade política de apurar rapidamente a realidade dos atos lesivos e de apontar à Justiça seus responsáveis.
Caso existam obstáculos indevidos à ação investigatória, devem eles ser mostrados à opinião pública. Na área do combate ao crime organizado, é preocupante o resultado da pesquisa realizada por esta Folha (14/1/96, pág. 3-5), no sentido de que 88% da população acredita no envolvimento de policiais com organizações criminosas. Toda generalização acarreta injustiça de avaliação. No entanto é inegável que existem elos entre criminalidade organizada e agentes públicos, em maior ou menor grau, em alguns locais.
É necessário que o Ministério Público priorize tal preocupação, alocando meios necessários ao tratamento do problema e mantendo permanente e franco diálogo com as autoridades da Segurança Pública que estão se empenhando em resolver a questão.
Atualmente a estrutura do Ministério Público relativa ao combate à criminalidade organizada ainda é insuficiente e sobrevive graças ao esforço e dedicação pessoal dos promotores de Justiça. O Ministério Público de São Paulo tem tradição de bons serviços prestados, muitas vezes de forma discreta e sem alarde. A instituição passou por período de grande destaque público em tempos ainda recentes, devido à ligação de sua cúpula com grupo político que estava na administração do Estado.
É essencial que se rompa com o continuísmo que tem prevalecido na direção da instituição e que usa a "máquina" administrativa para tentar sobreviver, fazendo triunfar um modelo de Ministério Público atualizado e que seja instrumento dos anseios da sociedade paulista. Esta exige respeito ao dinheiro público e fim da impunidade aos maus administradores; pleiteia o direito de viver sem violência; necessita de educação, saúde e condições dignas de vida para sua significativa parcela ainda privada de acesso às mínimas condições de exercício da cidadania.
Deve-se garantir ainda a democracia interna e o respeito ao pluralismo na instituição, pressuposto para uma atuação independente de todos os promotores. É preciso uma instituição que tenha voz para se manifestar quanto a temas de interesse nacional e que tenha ouvidos para escutar a demanda social. Essa é minha ótica e representa o sentimento de grande número de procuradores e promotores da Justiça que sustentam a luta por um Ministério Público que efetivamente represente o interesse público e seja esteio do regime democrático.
Na defesa de um novo projeto de Ministério Público e consciente de que o cargo de procurador-geral de Justiça deve ser exercido em nome de toda a sociedade, sou candidato a ocupá-lo, escolhido que fui para a disputa por meus colegas de pensamento institucional. Trata-se de uma escolha que, por sua importância, não se esgota nos limites institucionais, merecendo ser acompanhada por toda a população do Estado.

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