São Paulo, quinta-feira, 25 de janeiro de 1996
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Ofensiva contra as auditoras

CELSO PINTO

O governo decidiu apertar o cerco sobre as empresas de auditoria. A medida provisória que ampliou os poderes do Banco Central, deverá incluir punições duras para auditores negligentes.
Ao mesmo tempo, a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) está abrindo um processo contra a Ernst & Young, a auditora do Banco Econômico.
O estopim para a ofensiva contra as empresas de auditoria foram as quebras dos bancos Econômico e Nacional, no ano passado. Tanto a auditora do Econômico, a Ernst & Young, quanto a do Nacional, a KPMG Peat Marwick, avalizaram balanços tranquilizadores, pouco antes da quebra dos bancos. Clientes e acionistas que se guiaram pelos balanços perderam dinheiro.
Apesar da disposição moralizadora, o BC acabou de firmar um contrato com a KPMG para auditar a parte podre do Nacional que ficou nas mãos do governo. Como o inquérito sobre o Nacional ainda não foi concluído, a contratação da KPMG acaba parecendo uma forma de prejulgar e inocentar a auditora.
O presidente do BC, Gustavo Loyola, diz que só soube da contratação depois de consultado por esta coluna, na última sexta-feira.
A opção de manter a KPMG foi da burocracia do BC, porque uma mudança de auditora implicaria em obter uma permissão prévia da CVM. Loyola acha que foi uma decisão equivocada e quer revê-la.
Seu principal objetivo, contudo, é ter instrumentos legais mais fortes para poder responsabilizar as auditoras em casos de balanços fictícios. O caminho deverá ser incluir na MP que ampliou os poderes de intervenção do BC, de novembro, parágrafos adicionais dedicados às auditoras.
Um deles daria poder ao BC de descredenciar, a qualquer momento, empresas de auditoria consideradas negligentes, ou mesmo de proibi-las de continuar vistoriando instituições financeiras.
Além disso, outro dispositivo permitiria ao BC abrir ações de responsabilização que implicariam em tornar indisponíveis os bens dos controladores e diretores da auditora -a exemplo do que já acontece nos casos de intervenções em instituições financeiras. Administradores considerados culpados poderiam vir a ser considerados inabilitados para operar no setor, por um prazo de até 15 anos.
A MP já foi reeditada duas vezes, sem ser votada. As mudanças para incluir as punições às auditoras estão sendo negociadas por Loyola com o senador Vilson Kleinubing (PFL-SC), relator nomeado da Comissão Mista do Congresso, que terá até o dia 27 para apresentar um parecer. Até o dia 11 de fevereiro, a MP terá que estar votada, ou será reeditada.
Kleinubing, segundo Loyola, quer ainda acrescentar na MP a responsabilização do contador de instituição financeira que aceite assinar um balanço "maquiado". Falta apenas um acerto final com o presidente Fernando Henrique Cardoso sobre as mudanças.
Independentemente do que acontecer com a MP, a CVM está abrindo um processo administrativo contra a Ernst & Young, auditora do Banco Econômico.
O balanço de junho do ano passado do Econômico foi publicado dias antes da quebra do banco, em duas versões: um resumo com números otimistas, em grandes jornais do Sul, e o balanço integral, escondido num jornal baiano.
No balanço integral, algumas notas explicativas feitas pelo Econômico sugeriam prudência. O BC acha que o auditor, que conhecia a situação completa, deveria ter usado sua prerrogativa de recusar-se a endossar o balanço.
Como a quebra do Econômico causou prejuízos aos seus acionistas minoritários, a CVM pode começar um processo administrativo contra a auditora. No caso do Banco Nacional, isso não é possível, já que não houve prejuízo dos minoritários.
É claro que tanto a Ernst & Young quanto, eventualmente, a KPMG terão ampla oportunidade para provarem que agiram com correção ética e técnica, como têm alegado.
No caso da Ernst & Young, além de responder ao processo da CVM, será preciso ajudar seu auditor no Econômico, que está sendo processado, por razões éticas e disciplinares, pelo Conselho Regional de Contabilidade da Bahia, como noticiou esta coluna no domingo.
O importante é que as quebras do Econômico e do Nacional não passem em brancas nuvens. Elas abalaram seriamente a reputação, interna e internacional, tanto da fiscalização do BC quanto das auditoras.
Nos países desenvolvidos, o risco de sofrer processos milionários faz com que as auditoras operem com redobrada cautela. No Brasil, a virtual ausência de risco abre espaço para que empresas ou bancos pressionem seus auditores para assinarem balanços fictícios.
Quanto mais instrumentos legais existirem contra maus auditores, melhor vai ficar a vida de auditores sérios. E sem auditorias confiáveis, não há como imaginar um mercado acionário sólido.

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