São Paulo, quinta-feira, 25 de janeiro de 1996
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Série resgata a arte da impertinência

MARIO SERGIO CORTELLA
ESPECIAL PARA A FOLHA

Quem não se lembra dos deliciosos papéis representados à perfeição por um Walter Matthau ou Jack Lemmon nos filmes norte-americanos? E, nas artes nacionais, como esquecer o brilhantismo de Mário Lago e Paulo Autran ao encarnarem rabugices?
Ora, quando a Folha e a PUC-SP pensaram em organizar eventos mensais transmitidos pela TV-PUC e que reunissem duas personalidades para debaterem em torno de temas especiais, muitas foram as idéias para denominar o conjunto da série.
No final de 1994, quando da estruturação da parceria entre o jornal e a universidade, não foram poucas as "tempestades cerebrais" para encontrar um nome que expressasse integralmente o espírito do projeto: uma série de encontros que fosse além do formato habitual e que, ao mesmo tempo, contivesse uma carga de inteligência provocativa.
Na época da busca de denominação estava em moda a expressão "masturbações sociológicas" -utilizada por expansivo ministro para fazer autocrítica do poder federal- e essa era uma idéia motivadora, embora muito datada e, eventualmente, soando até como sexista ou ofensiva; no entanto, apesar do efeito humorístico momentaneamente atraente, havia também a restrição ao campo da sociologia.
Afinal, se seguida essa linha de conexão entre o poder e o risível, teria sido melhor chamar a série de "nhenhenhéns" ou "conversas com o pé na cozinha".
Felizmente, a razão e a urbanidade de alguns dos envolvidos no projeto brecaram a tempestade deletéria dos outros (eu, entre eles), e, imbuídos pelo mote platônico, nos fixamos na noção de "Diálogos". Chegado ao consenso, era necessário, porém, adjetivar esse mote; diálogos os temos de muitas formas e o conceito, por si, não era adequado à identidade que queríamos concretizar.
Tínhamos muitos adjetivos sedutores à nossa disposição, inclusive do ponto de vista comunicacional; poderíamos, por exemplo, chamar a série de "Diálogos Irreverentes" ou "Diálogos Inconvenientes", mas isso acarretaria uma ocasional noção de inconsequência e inconsistência graciosas e fúteis, não compatíveis com a seriedade -não carrancuda, é claro- dos parceiros PUC e Folha.
Finalmente, encontramos no adjetivo "impertinente" a tradução mais fiel da alma da série de eventos. Não era a impertinência do despropositado o que estávamos procurando mas, isso sim, a impertinência portadora de irritação ao epidérmico presente no senso comum e na obviedade; esses "Diálogos Impertinentes" precisariam de um pouco da rabugice inconformada daqueles que não se contentam com a superfície mas, também, não se incomodam em passear por ela, perfurando-a, pouco a pouco, com o cinzel da ousadia.
Às vezes barrocos, às vezes irados, sempre inteligentes e lúdicos, os "Diálogos Impertinentes" atravessaram o ano passado inspirados na frase de Drummond que ilustrou o projeto "eu tropeço no possível, e não desisto de fazer a descoberta do que tem dentro da casca do impossível".
Escrevemos em 1995 que "o escavar a casca do impossível precisa da esperança e, ainda mais, da saudável loucura daqueles que não aceitam a ditadura do presente, rejeitam o enclausuramento dos fatos e proclamam a "idealidade do que poderia vir a ser" contra a 'realidade do que é'."
Na última terça-feira de fevereiro, e, não por acaso, uma semana após o Carnaval, a série 1996 dos "Diálogos Impertinentes" volta para exercitar a arte da impertinência no diálogo "O Obsceno", colocando face a face o rabino Henry Sobel e o escritor João Silvério Trevisan (vencedor do Prêmio Jabuti de romance em 1995 e autor, entre outras, da obra "Devassos no Paraíso").
Adaptando o lema do parceiro: "Não dá pra não ver".

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