São Paulo, quinta-feira, 25 de janeiro de 1996
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Existem 8 milhões de Barbies no planeta

DAVID DREW ZINGG
EM SÃO PAULO

Alguma vez você já se indagou por que precisa vir até esta coluna para ficar sabendo de coisas que realmente aconteceram, mas que ficaram escondidas por trás das "notícias" oficiais? No domingo passado você deve ter lido sobre minha Jennifer predileta de plástico naquele campo fértil para intelectuais que é o "Mais".
O que você não ficou sabendo foi a história sórdida e pouco conhecida do que aconteceu quando Barbie, nosso símbolo sexual favorito de vinil, foi sequestrada.
Sua casa de bonecas perfeita na Gringolândia virou pesadelo e a figura imaculada que serve de modelo para milhões de futuras líderes mundiais se viu mergulhada num mundo estranho de drogas, sexo e resgates.
O destemido repórter Tio Dave vai contar a você tudo sobre a curiosa aventura vivida por Barbie no mundo da pornografia, e outras aventuras ainda mais curiosas.
Tudo começou alguns anos atrás, quando dois incêndios foram provocados na mesma casa para acobertar um roubo de Barbies no valor estimado de US$ 1 milhão. Foi o maior roubo de bonecas Barbie na história dos EUA.
Depois de fugir carregando a enorme coleção de Barbies pertencentes a Glen Offield, o ladrão regou sua casa alugada com gasolina e ateou fogo. Offield estava fora de casa, assistindo a um desfile de bonecas. Adivinhe quais.
A casa não queimou completamente. Em seu interior ficaram vários torsos plásticos queimados, mas pertenciam a bonecas Tammy, mais baratas.
Não havia, infelizmente, nem sinal da célebre coleção de -respire fundo!- 5.000 Barbies, que dormiam com seu dono, Offield, no quarto maior da casa.
Offield disse que o ladrão sabia exatamente o que estava fazendo. "Ele levou todas as Barbies, os Kens e as Skippers".
Também levou as bonecas amigas da Barbie e todos os apetrechos relacionados a elas, desde casas até carros Corvette.
Glen Offield, entristecido, afirmou ser mundialmente conhecido por sua coleção, que incluía todos os artigos relativos à Barbie fabricados entre 1959 e 1972, entre eles cerca de 200 protótipos da boneca. Cada artigo estava em perfeitas condições. "Eu jamais havia brincado com nenhum deles", disse Offield.
O colecionador se descreveu como diretor de arte desempregado. Disse que não era rico e que não tinha seguro porque não pôde pagá-lo. Não tinha família e sua vida social era pouca. Segundo Offield, ele só era "rico em Barbies".
Quando percebeu que teria que enfrentar a vida sem suas Barbies, ficou arrasado. "Elas significavam tudo para mim", disse. "Posso passar sem comer, mas sem elas não sei se vou conseguir viver".
Existem mais de 8 milhões de Barbies no mundo. É quase o equivalente à população da Índia, fato que FHC poderia aproveitar caso falte assunto durante algum jantar em sua visita ao país.
O pequeno Glen Offield começou a colecionar Barbies quando ainda era criança, fato que não agradou a seus pais conservadores e interioranos. Aos 13 anos, já levava bonecas para a escola, escondidas, e teria continuado não fosse o medo de ser pego em flagrante.
Quando jovem, sonhava em se tornar estilista, mas terminou como diretor de arte da "The Advocate", uma revista para gays. Frequentava mercados de pulgas e foi comprando mais e mais Barbies para sua coleção, que aumetava e provava ser um hobby caro.
Foi então que a sorte sorriu para ele. Conheceu um homem chamado Bruce Scott Sloggett, que lhe ofereceu um emprego lucrativo como diretor de arte da Another Video Company. A produtora de video produziria filmes pornográficos homossexuais, e Offield desenharia todos seus pacotes de vídeo, catálogos e anúncios.
A sedução sexual do trabalho não parece mexer com Offield; afinal, ele já tinha suas Barbies.
Em questão de poucos anos, ele juntou suas 5.000 bonecas. Na década de 80, colecionar Barbies transformou-se em toda uma cultura. Há convenções Barbie, softwares Barbie para computadores e boletins Barbie e revistas Barbie, como a "Barbie Bazaar".
A revsta tem artigos eletrizantes sobre os óculos escuros da Barbie e perfis de uma certa Abbe Littleton, uma das estilistas responsáveis pelas roupas mais tchans da Barbie.
Offield já ficou famoso no mundo da Barbie. Naturalmente, sua coleção passou a figurar regularmente na "Barbie Bazaar".
Então quem foi que roubou as Barbies? O primeiro suspeito óbvio era o próprio Offield, que a polícia suspeitou tivesse ateado os incêndios para pegar o dinheiro do seguro. A teoria foi para o espaço quando se descobriu que ele não tinha seguro.
Então as atenções se voltaram a seu patrão, o belo produtor de pornografia gay Bruce Sloggett, que havia desaparecido. Quando os tiras começaram a investigar a produtora, encontraram técnicos e atores que pareciam ter saído arrastados de uma caverna.
Depois de passar um sermão em algumas dessas pessoas de rua, a polícia conseguiu de um juiz atônito uma autorização para revistar a casa em busca de Barbie, Ken e Skipper e virou a casa de Sloggett do avesso.
A casa continha o tipo de coisas que se poderia prever -algumas centenas de fitas pornô, equipamentos tipo chicotes e correntes para uso dos convidados, uma cadeira suspensa para a prática de jogos sexuais e alguns gramas de drogas.
Sloggett foi preso, mas libertado pouco depois sob fiança. Uma semana mais tarde, morreu de overdose de metanfetamina e morfina. Ele era o suspeito número um, mas, como perguntou uma repórter mais tarde, será que morreu de amor por Barbie?
A própria Barbie, ainda desaparecida, não pôde lançar luz sobre a questão. Foi um dos namorados de Sloggett quem solucionou o mistério. Ele contou aos investigadores sobre um depósito de armazenagem self-service que o morto havia alugado pouco antes do Grande Roubo das Barbies.
Quando a polícia chegou ao local, encontrou pilhas de caixas de papelão contendo Barbies! Só precisou investigar um pouquinho mais para descobrir o motivo.
Sloggett não era nenhum colecionador fanático de Barbies. Mas seus vídeos de sexo gay não estavam vendendo bem. Ele estava vendendo drogas para tentar impedir sua produtora de falir. Sua vida suja de sexo e baixaria estava fugindo de seu controle. Sua única esperança eram os ricos fãs nipônicos da Barbie.
E o Velho e Simpático Glen Offield? Afinal, o que aconteceu com nosso herói? Ele abandonou o ramo da pornografia e está tentando virar revendedor de Barbies em tempo integral. De qualquer maneira, não acredita que Sloggett teria conseguido vender aquelas Barbies todas ao Japão.
Depois do Grande Roubo das Barbies, Offield recebeu chamadas do Japão, de outros colecionadores, oferecendo condolências. Offield diz que eles conheciam suas bonecas muito bem e jamais as teriam comprado de um estranho. Por isso ele quer agradecer aos colecionadores japoneses.
Mas você não precisa agradecer tio Dave por lhe revelar tudo sobre as mazelas escondidas do mundo obscuro da Barbie.
Eu também só estou tentando evitar ser obrigado a procurar um emprego de verdade.

Tradução de Clara Allain

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