São Paulo, quinta-feira, 25 de janeiro de 1996
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Biscoitos amanteigados

CARLOS HEITOR CONY

RIO DE JANEIRO - Os arautos do poder ficaram ouriçados com as manifestações favoráveis de Petrópolis ao presidente da República. Não bastando o Plano Real, que sustenta a relativa popularidade do governo como um todo, e a notória capacidade de sorrir do próprio presidente (mesmo quando não há motivo para isso), os escudeiros de FHC na mídia e fora dela invocam o testemunho dos petropolitanos que o receberam se não com entusiasmo, ao menos com carinho.
Até o Costa e Silva, que foi o último presidente a se utilizar do Palácio Rio Negro, era bem-recebido em Petrópolis. E olha que o Costa e Silva foi o homem que assinou o AI-5. Daí se pode concluir que Petrópolis está para o Brasil mais ou menos como Versalhes estava para a França durante a monarquia. Era tão boa a vida da corte em Versalhes que os reis decidiram ficar por lá, onde não sofriam as pressões de Paris, que tinha problemas com o pão e o frio.
Na raiz da Revolução Francesa estava a exigência do povo, representado nos Estados Gerais, de fazer a corte deixar Versalhes e voltar para a realidade. Todos sabemos como a história terminou.
O Brasil, país com vocação a ser exagerado, tem duas Versalhes. A primeira e a maior delas é Brasília. A segunda, uma regra-três sempre à disposição, é Petrópolis. Deus é testemunha de que nada tenho contra a bela cidade que os jornais chamam de serrana. Não há carioca, desde os tempos de Machado de Assis, que não curta as suas hortênsias, as deliciosas pontes pintadas de vermelho sobre o rio Piabanha, o cheiro de musgo e pão saindo do forno que ainda persiste em alguns de seus recantos não corrompidos pelo comércio.
Mas isso é pouco para o habitante da cidade. Ele se habituou a hospedar o império e a república. Entre a cidade e o poder há uma espécie de pacto. Tanto os dois Pedros imperadores como Vargas sentiam-se à vontade em Petrópolis, ruas arrumadas e limpas, sem miséria à vista.
Para aferir a popularidade de um governo, Petrópolis não serve. Ali, melhor do que o governo, só mesmo os biscoitos amanteigados.

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