São Paulo, domingo, 28 de janeiro de 1996
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Os fundos do fundo

JANIO DE FREITAS

O único avanço dado pelo governo na proteção aos direitos dos cidadãos foi, na verdade, um passo atrás. O que está sendo apresentado como garantia, até R$ 20 mil, dos depósitos e poupanças retidos em bancos sob intervenção ou em liquidação é, por vários motivos, um ato que transgride deliberadamente a Constituição e, em vez de utilizar um fundo dos bancos, como foi propalado, vale-se ilegalmente dos cofres públicos.
Quando da retenção dos depósitos e poupanças no Banco Econômico, aqui se informou que isso só acontecia porque o governo se recusa a regulamentar o art. 192 da Constituição, que determina a criação da garantia. E recusa-se porque no mesmo artigo se encontra a limitação dos juros a 12% ao ano.
A retenção continuada no Econômico e novas retenções provocariam, porém, desgastes e problemas que o governo precisava evitar. Recusada a maneira constitucional e limpa de fazê-lo, foi adotada uma forma de ludibriar, a um só tempo, a legislação e a opinião pública. Com a sobremesa de um presente à imagem dos bancos, dados como concordantes com o simpático sacrifício de criação de um fundo em benefício dos depositantes.
O fundo foi criado pelos ministros da Fazenda e do Planejamento, Pedro Malan e José Serra, e pelo presidente do Banco Central, Gustavo Loyola, que são agora os componentes únicos do Conselho Monetário Nacional, CMN, entidade reduzida à ficção. Os instrumentos que o criaram foram duas resoluções, em que o Fundo Garantidor de Créditos, FGC, é definido como entidade sem fins lucrativos e de natureza privada, com validade até que seja regulamentado todo o art. 192 da Constituição.
Esta mesma Constituição determina, porém, que a regulamentação do artigo também invocado se faça por lei complementar, que é de competência exclusiva do Congresso. O fundo começa, portanto, como criação de quem não o poderia criar e por instrumentos que não são lei.
O recheio do fundo, que o noticiário-propaganda atribuiu aos bancos em geral, recebeu o dinheiro do Fundo de Garantia dos Depósitos e Letras Imobiliárias (FGDLI). Mas esse nome chato refere-se a dinheiro destinado, ainda no tempo do BNH, a garantir depósitos e letras estritamente imobiliários.
Na eventualidade de faltar caixa, o CMN determinou que seja usado dinheiro da Reserva Monetária, que é formada com o famoso IOF, o Imposto sobre Operações Financeiras. Imposto, note bem. E veja o que diz a Constituição sobre o que deve ser o fundo de garantia dos depósitos e poupanças: "vedada a participação de recursos da União", ou seja, do arrecadado com impostos, taxas, multas e que tais. O texto constitucional diz, ainda, que é vedada "a instituição de fundos de qualquer natureza sem prévia autorização legislativa".
Por estes e por outros motivos, o deputado Luiz Gushiken, em nome do PT, entrou com um pedido de liminar no Supremo Tribunal Federal, para que seja sustada a utilização do novo fundo, por inconstitucionalidade. A primeira foi marcada pelo Banco Central para amanhã, liberando até R$ 20 mil para clientes do Econômico.
A par da transgressão à Constituição, no artifício do CMN há outro aspecto de igual gravidade: com o fundo de garantia dos depósitos e poupanças, o governo criou mais um caminho para dar fortunas dos cofres públicos, sob as aparências de um fundo de bancos, para solucionar problemas de banqueiros.

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