São Paulo, domingo, 28 de janeiro de 1996
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Falta de dinheiro e de política de segurança fragiliza Forças Armadas

RUI NOGUEIRA
SECRETÁRIO DE REDAÇÃO DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Sem política de segurança definida, as Forças Armadas estão mergulhadas em uma rivalidade burocrática. Mesmo nas questões estratégicas consideradas consensuais, caso da defesa da Amazônia, as três Forças (Exército, Marinha e Aeronáutica) não têm um projeto comum.
Como o governo e o Congresso não consideram a discussão sobre como empregar as Forças Armadas um assunto prioritário, os três ministros militares funcionam como síndicos das suas pastas, disputando prestígio e verbas.
"Ninguém sabe se eles são ministros do presidente Fernando Henrique para as Forças Armadas ou se são ministros das Forças Armadas junto ao presidente", resume o professor Thomaz Guedes da Costa, coordenador-geral de Recursos do Centro de Estudos Estratégicos, órgão da SAE (Secretaria de Assuntos Estratégicos).
Segundo Costa, isso é mais por culpa dos governos e do Congresso, que não vão além da definição constitucional do papel dos militares -manter a lei e a ordem, zelar pela soberania nacional e trabalhar pela integração e o desenvolvimento- e menos por resistência das Forças Armadas.
No debate, segundo o professor, a sociedade precisa definir quanto está disposta a "sacrificar em tesouro e sangue".
Dinheiro
A disputa por verbas está na raiz da criação dos grandes projetos militares -como o Sivam (Sistema de Vigilância da Amazônia), Calha Norte (povoamento estratégico da Amazônia) e submarino nuclear da Marinha.
Boa parte da pressão dos brigadeiros da Aeronáutica pela manutenção do Sivam tem a ver com a intenção declarada em não perder um financiamento no valor de US$ 1,4 bilhão concedido pelo Eximbank americano e outras agências de financiamento.
A Aeronáutica, na avaliação de vários militares ouvidos pela Folha e que pediram para não ser identificados, é de longe a Força mais sucateada. "O financiamento do Sivam funcionaria como uma injeção de ânimo", na definição de Thomaz da Costa.
"Quando vai aparecer outra oportunidade para um financiamento desse porte?", pergunta o brigadeiro Márcio Bhering, do Estado-Maior das Forças Armadas. Internamente, cada uma das Forças tem uma explicação clara para justificar a sua política.
O Exército intensificou as chamadas "ações complementares" -distribuição das cestas do programa Comunidade Solidária, abertura de estradas, serviços médicos na Amazônia, mais investimentos na área de ensino-, por entender que não precisa se estruturar "face às ameaças".
A ação dissuasora é desempenhada por um núcleo de tropa especial -a chamada Força de Pronto Emprego- e pela presença do Exército em mais de 500 municípios. Em outubro de 95, em palestra na Escola de Comando e Estado-Maior do Exército dos EUA, em Leavenworth (Kansas), o próprio ministro Zenildo de Lucena explicitou a estratégia.
"Diferentemente de outros exércitos, em que as unidades são desdobradas segundo critérios estratégicos, o nosso dispositivo é muito mais disperso (...). Isso dificulta as atividades de coordenação e controle, mas nos permite manter contato e aprofundar o relacionamento com a sociedade que servimos", disse Zenildo.
As reivindicações realmente estratégicas dos militares quase sempre são motivadas por acontecimentos externos. A Marinha reivindicou mais investimentos depois da guerra das Malvinas, no início dos ano 80, argumentando que a força naval inglesa e seus mísseis Exocet tinham sido decisivos contra os argentinos.
Foi bem-sucedida. A Marinha é hoje a Força brasileira mais bem-estruturada do ponto de vista qualitativo dos seus equipamentos e do preparo de suas tropas (veja quadro à página 1-14).
A Aeronáutica fez reivindicação igual a reboque da Guerra do Golfo, no início dos anos 90, quando a força aérea americana foi decisiva na derrota do Iraque.
Já de cofres mais vazios, os governos não puderam ou não quiseram atender a FAB (Força Aérea Brasileira), que continua desmontando aviões Mirage para usar suas peças na reposição de outros aviões de combate.
Caso Angola
Os militares exemplificam com a Missão de Paz enviada a Angola a falta de definição estratégica do governo. No Planalto, decidiu-se que era importante gastar R$ 121 milhões para participar da missão da ONU (Organização das Nações Unidas). Apesar disso, o Ministério do Planejamento e a Secretaria do Tesouro levaram mais de dois meses para liberar o dinheiro.
A tropa começou a embarcar em outubro, mas grande parte da compra de material de fardamento ainda estava por pagar no final de dezembro. O Tesouro devia ao Exército mais de R$ 60 milhões.

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