São Paulo, domingo, 28 de janeiro de 1996
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Sistema de saúde dificulta acesso

AURELIANO BIANCARELLI
DA REPORTAGEM LOCAL

"Ou o sistema de saúde facilita e simplifica o acesso aos serviços, ou acabará atendendo apenas a classe média." Nilton Kara José diz que chegou a essa conclusão depois de visitar centenas de casas na periferia de Campinas.
"O médico não vai mais à casa dos pacientes", diz. "Não sabe o que está acontecendo na periferia."
Em 1986, quando foi convidado pelo Instituto Nacional de Saúde dos EUA para informar sobre a cegueira por catarata no Brasil, José disse que esse problema não existia no país.
"Quando fomos de casa em casa, em Campinas, descobrimos que de cada dez pessoas com catarata, só uma tinha sido operada. As outras estavam cegas. Foi um choque."
José relata que muitos velhinhos se escondiam de medo debaixo da cama e que algumas famílias expulsavam os médicos achando que iriam cortar a água da casa deles. "Encontramos pessoas que não enxergavam há dez anos por causa da catarata ou pela simples falta de um óculos. Não tinham informação nem condições de se deslocar até um posto."
Professores da Unicamp prepararam um projeto que invertia essa situação, o paciente é que seria procurado em sua casa. Um manual detalhou todas as fases, como numa operação de guerra.
Um mutirão numa cidade de cem mil habitantes, por exemplo, exige 400 voluntários que passarão por um treinamento. Estimativas indicam que numa população desse porte há 300 cegos que podem recuperar a visão.
Duas semanas antes da chegada dos médicos, os garis da coleta de lixo local entregam de casa em casa material de informação para que as pessoas aprendam a testar sua própria visão.
Postos de atendimento são montados na cidade de forma que nenhum morador tenha de andar mais de mil metros para ser atendido. Os locais e os objetivos da campanha são anunciados nas rádios, TVs, jornais e nas escolas públicas.
Toda a população é atendida num único final de semana. Os que têm problemas de visão são levados de carro a um posto central onde estarão 30 oftalmologistas. Passarão por exames clínico e oftalmológico e um teste ocular. Sairá dali com a cirurgia marcada e os óculos encomendados.
Os procedimentos médicos e as lentes são pagas pelo Ministério da Saúde. Gastos que vão de sanduíche a combustível são bancados pela cidade. O trabalho é todo voluntário.
Hoje José é um dos oftalmologista mais bem-sucedidos do país. Divide a semana entre aulas na Unicamp, na USP, o consultório e a casa de vidro e concreto em São Paulo. Sobra pouco tempo para o apartamento no Guarujá, as três cadelas e o calhambeque 1929, ainda com a chapa mineira de Paraguaçu, que não sai da garagem há dez anos. "Vai ficar para os netos", diz.
(AB)

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