São Paulo, domingo, 28 de janeiro de 1996
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Música popular adere à onda de sexo explícito

CARLOS MAGNO DE NARDI
DA REPORTAGEM LOCAL

A música popular brasileira aderiu ao sexo explícito de vez. Grupos de axé music, pagode e rock abandonaram o duplo sentido e incorporaram palavrões, descrições de relações sexuais e de perversões às suas letras.
A resposta do público parece ser de aprovação. Os Mamonas Assassinas ("me passaram a mão na bunda, ainda não comi ninguém") venderam 1,8 milhão de discos; os Raimundos ("se ela tá gemendo é porque eu sou um cara legal"), 320 mil; "É o Tchan" ("mete em cima, mete embaixo") está em 5º lugar nas rádios FM, e a dança da garrafa, da Companhia do Pagode, já é mania.
Comparando os hits atuais com alguns mais antigos, nota-se que as letras estão mais explícitas (veja quadro ao lado).
Se, em 83, o grupo "Premeditando o Breque" já cantava as vantagens do amor com uma cabrita, este ano os Mamonas voltam ao tema na música "Mundo Animal", abandonando qualquer sutileza: "e as pombas (...) com seus cu amirando nossas cabeças".
Língua
Músicos e intelectuais não condenam a "pornografia musical". Para Gilberto Gil, palavrões até embelezam a música dos Mamonas.
"É chulo, vulgar, mas são palavras da língua portuguesa. Pau é uma palavra muito bonita, tanto para designar a madeira quanto o órgão masculino", afirma Gil ao comentar a música "Tora Tora", dos Raimundos (veja quadro ao lado).
Para ele, as letras desses grupos "não são mais deseducativas" do que outros temas ou termos veiculados pela mídia, principalmente na publicidade. Para Gil, essas músicas correspondem a uma demanda de mercado, principalmente entre os jovens.
O antropólogo Hermano Vianna, irmão de Herbert Vianna, dos Paralamas, elogia a qualidade dos Raimundos, "musicalmente excelentes".
Ele cita a capacidade de "produzir som de qualidade mesclando o baião, tipicamente nordestino, com o hardcore".
O professor de linguística na USP e ex-integrante do grupo Rumo, Luiz Tatit, compara os Mamonas com o grupo Língua de Trapo, sucesso nos anos 80. "Os dois se caracterizam pelo escracho. O Língua não era tão sexual, mas mais político", diz.
Educadores
Ao conquistar o público e ser cantadas até por crianças de 3 anos, as músicas dos Mamonas acabaram causando a ira de educadores.
A consultora pedagógica Dora Incontri, mestre em Educação pela USP, por exemplo, cobra mais responsabilidade de artistas, gravadoras e da própria sociedade para preservar as crianças.
"Não sou a favor de nenhum tipo de censura, porém deve haver uma maior responsabilidade social", afirma a professora da Universidade de São Paulo.
Na sua opinião, músicas com letras como "O Vira" ou "Mundo Animal" "passaram dos limites", prejudicando a formação estética e até moral de crianças.
A saída, afirma, depende dos próprios pais e educadores, a quem cabe fornecer alternativas às crianças.
A educadora diz que essa atitude mais "responsável" da sociedade é prevista pelo próprio Estatuto da Criança e do Adolescente, segundo o qual "as emissoras de rádio e televisão somente exibirão, no horário recomendado para o público infanto-juvenil, programas com finalidades educativas, artísticas, culturais e informativas."

Texto Anterior: Naomi pode sair de índia
Próximo Texto: Casos de insônia aumentam com o calor
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.