São Paulo, domingo, 28 de janeiro de 1996
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Por uma nova lei das sociedades anônimas

JOSÉ VALDIR RIBEIRO DOS REIS

O Brasil vive um momento de profundas transformações. O ano que passou marcou a quebra de paradigmas há muito presentes na vida nacional. No entanto, alguns tótens permanecem como símbolos de uma época que insiste em não terminar.
A nossa Lei das Sociedades Anônimas é um desses tótens; elaborada ainda na década de 60, precisa ser urgentemente revista, sob pena de passar a constituir mais um obstáculo para o nosso desenvolvimento.
Os fundos de pensão são os maiores investidores institucionais do país. Graças à sua atuação são considerados responsáveis pelo crescimento do movimento das Bolsas e do próprio mercado acionário brasileiro. No entanto, nos últimos tempos os fundos não têm mais se prendido unicamente às Bolsas e investem diretamente na compra do controle acionário de empresas.
Essa decisão política, moderna e salutar, não tem sido, infelizmente, compreendida por todos. Grande número de empresários e jornalistas ainda alimenta a idéia de que os fundos de pensão devem continuar centralizando seus investimentos em ações nas Bolsas de Valores, uma vez que não faria parte de seus objetivos históricos a compra do controle das empresas.
Seria até uma discussão salutar -afinal, sabe-se que da discussão nasce a luz- se não estivesse contaminada por um grave erro: a decisão de não mais centralizar nas Bolsas de Valores os investimentos no mercado mobiliário é, antes de tudo, uma consequência e não uma causa.
A Previ (Fundo de Pensão dos Funcionários do Banco do Brasil), por exemplo, há tempos vem trocando ações preferenciais por ordinárias, além de ter passado a concentrar parte de seus investimentos na compra do controle acionário de algumas empresas, como aconteceu com a Acesita, a Perdigão e, mais recentemente, a Eluma. Foram experiências vitoriosas, que comprovaram através dos resultados obtidos os acertos das decisões adotadas.
Na verdade, decisões dessa importância não são tomadas por acaso. No nosso caso, foi uma atitude pensada, estudada e analisada sob todos os seus aspectos. Uma decisão já compreendida pelo mercado, mas ainda não completamente assimilada por alguns formadores de opinião, pessoas que provavelmente ainda não descobriram que o mercado acionário está perdendo seus atrativos. E a razão disso é uma só: a nossa ultrapassada e anacrônica Lei das Sociedades Anônimas.
A reformulação da Lei das S/As é uma decisão que não pode mais ser adiada. Precisamos de uma nova legislação que torne os balanços transparentes e, principalmente, assegure aos investidores não-controladores a proteção do seu capital.
As ações preferenciais precisam ser mais prestigiadas. Como esses papéis não dão direito a voto, poderíamos, por exemplo, estudar a possibilidade de essas ações passarem a ter uma remuneração mínima obrigatória. Como esse tipo de ação não confere ao investidor nenhuma prerrogativa para influir na administração da empresa, estaríamos criando uma proteção para o seu capital mesmo quando a empresa não desse lucro.
Ao primeiro olhar pode parecer que estamos dando uma dimensão indevida ao problema. Mas a verdade é que a nossa preocupação é diretamente proporcional à importância do mercado de capitais para a economia nacional. O próprio governo pode ter muitos de seus projetos inviabilizados pela ausência de regras adequadas no que se refere às empresas de capital aberto.
O sucesso das privatizações, por exemplo, depende fundamentalmente do alargamento do mercado e do número de investidores. Agora, como conseguir atrair milhões de cidadãos comuns para um negócio que um único indivíduo, com 16,67% de ações ordinárias, irá controlar? Sim, pois, nas organizações que usam o limite máximo de 2/3 de ações preferenciais, basta possuir aquele percentual de ações ordinárias para controlar a empresa.
Outra estratégia governamental, a captação de investimento externo, também depende de uma revisão da Lei das S/As. Afinal, a tendência é que os investidores estrangeiros passem a exigir informações mais confiáveis sobre as empresas nas quais investem.
Habituados às rígidas normas de seus países de origem, não vão se contentar com a ausência de balanços transparentes e falta de remuneração de capital, fato comum no Brasil. Muito menos vão querer se relacionar com empresários que se dão ao luxo de não prestar contas para os acionistas minoritários nem para os portadores de ações preferenciais -isso quando não transformam essas mesmas ações em debêntures sem remuneração e obrigatoriedade de resgate.
A verdade é que, do jeito que está, não dá para continuar. A Lei das Sociedades Anônimas precisa ser urgentemente reformada. A atual regulamentação do mercado não é boa para o investidor, para as empresas nem para o país. Os primeiros não recebem a remuneração adequada do capital investido; os empresários honestos, por sua vez, ficam sem uma importante opção de captação, uma vez que, mantidas as atuais regras, a tendência é de encolhimento do mercado; e o Brasil, por seu turno, deixa de contar com um eficaz instrumento para financiar seus projetos de desenvolvimento.

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