São Paulo, domingo, 28 de janeiro de 1996
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Modelo coreano pode ser nova alternativa

GILSON SCHWARTZ
DA EQUIPE DE ARTICULISTAS

Aos poucos parece que o debate sobre alternativas de política econômica está ganhando um novo impulso. Mas antes de mergulhar nas profundezas da filosofia política ou mesmo das nossas preferências pessoais, talvez ainda seja útil olhar um pouco sobre a história da economia. Mais especificamente, sobre a história recente das políticas econômicas.
Um exemplo de destaque é o modelo coreano. No número 61 da "Revista de Economia Política" (janeiro/março de 96) o professor Mauricio Mesquita Moreira, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, recoloca os pingos nos "is".
Sua conclusão, resumida, é que o intervencionismo estatal é necessário, desde que não seja do tipo adotado pelos governos latino-americanos. O texto da REP é uma versão resumida de um capítulo de "Industrialization, Trade and Market Failures: the Case of Brazil and South Korea", publicado em 1994 pela MacMillan.
Para limpar o terreno, Moreira reconstrói as bases do debate, mostrando como a busca de rótulos fáceis esterilizou a busca de alternativas.
Moreira não nega a possibilidade de aproximar, ainda que de modo caricato, os modelos de industrialização do Brasil e da Coréia do Sul aos conceitos de substituição de importações e promoção de exportações. O risco de levar mais longe essa associação está na tentação sempre presente de traduzir o contraponto proteção versus orientação para o comércio exterior em intervenção estatal versus livre mercado.
O grau de comprometimento de uma política econômica com a promoção de exportações não é sintoma automático de maior ou menor liberalismo.
Para entender o grau de intervenção dos governos nos vários casos é preciso ir mais fundo no estudo das peculiaridades históricas de cada economia.
O caso coreano mostra, segundo Moreira, que é possível montar um sistema de intervenção seletiva vitorioso. A seletividade é o segredo. É isso que mesmo alguns estudos recentes do Banco Mundial passaram a reconhecer. E, com o perdão da auto-citação, é o que mostrava meu livrinho de 1989 ("Japão de Olhos Abertos").
Seletividade
Mas qual o critério da seletividade? Moreira argumenta que a chave do sucesso esteve na escolha de critérios atentos a mecanismos ou falhas de mercado, tais como os que afetam os preços de insumos produtivos.
Não basta, portanto, a "intervenção estatal". Onde ela não é seletiva ou mesmo "cirúrgica", seus efeitos podem ser terríveis, como em vários exemplos latino-americanos.
Segundo Moreira, nesses casos os remédios foram frequentemente piores que os males que se pretendia tratar. Dois exemplos: proteção indiscriminada e taxas de juros negativas, sem falar na burocracia desnecessária, na corrupção inercial ou mesmo na estatização pura e simples.
Mas de onde viria essa espécie de inspiração divina capaz de criar intervenção seletiva em vez de estatização obsessiva? Segundo Moreira, da maior abertura da economia. Uma economia mais exposta aos ventos dos mercados internacionais fica obrigada a obedecer a algumas restrições mínimas.
Assim, se a política de intervenção seletiva ajuda a defender uma economia das falhas dos mercados, a própria abertura serve como uma espécie de seguro ou garantia contra as falhas da política econômica.
Essa abordagem parece bastante pragmática, no sentido de abrir um parênteses relevante num debate onde predominam as opções ideológicas e os compromissos por inércia, como alertou Marcelo Coelho em seu artigo da última sexta-feira nesta Folha.
É especialmente relevante no Brasil de agora, onde firma-se uma política econômica muito mais voltada para o exterior (abrindo mais a economia) sem que, ao mesmo tempo, se pretenda abrir mão de alguma "seletividade".
Resta saber se não serão mais fortes os nossos compromissos inerciais -no Estado e na sociedade.

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