São Paulo, domingo, 28 de janeiro de 1996
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Rico também chora

CLÓVIS ROSSI

GENEBRA - Deu no jornal: "Taxa de desemprego de 6,7%, proporção real de pessoas em busca de emprego próxima de 10%, aumento acelerado do número dos sem-teto, lares vivendo sem o mínimo vital, pessoas idosas forçadas a apelar aos serviços de ajuda públicos ou à caridade".
Qual é a novidade? Os jornais brasileiros já publicaram um milhão de textos de teor semelhante, quando não absolutamente igual.
A novidade é que o trecho acima foi extraído da "Tribune de Genève" e não se trata de reportagem de algum enviado especial do jornal à América Latina ou África.
Roland Godel, o autor, é editor de assuntos locais da "Tribune". Fala, portanto, de Genebra mesmo.
Para quem vem do Terceiro Mundo (e, ainda por cima, acabou de chegar de incursões pelos territórios palestinos), fica a inescapável sensação de que os genebrinos estão chorando de barriga cheia.
A cidade é um gelo nesta época do ano, mas é limpíssima, agradável, tão segura que a mesma "Tribune de Genève" está à venda naquelas banquinhas em que basta pôr uma moeda para retirar um exemplar. Só que, em Genebra, ao contrário dos Estados Unidos, a portinha fica aberta. Logo, só põe a moeda quem quer.
Quem não quiser, pega o jornal e vai-se embora. Não vi ninguém tirando o jornal sem pagar. É verdade que alguns exemplares exibiam sinais de terem sido manuseados. Ninguém é perfeito, nem os suíços.
O "Guia de Bolso" sobre a Suíça, editado por organismos oficiais, informa que a renda per capita era, em 93, de 51.099 francos suíços, o que dá uns US$ 44.433, ao câmbio do momento. Ou US$ 3.700 por mês.
Comparando: a média anual de rendimento de cada brasileiro é inferior à média mensal de cada suíço.
Se ainda assim eles choram miséria, é porque a tal de globalização está criando um formidável mal-estar, uma sensação de insegurança em relação ao futuro. E afeta mais aos ricos do que aos pobres. Estes, com ou sem globalização, têm tão pouco a perder que nem adianta chorar.

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