São Paulo, segunda-feira, 29 de janeiro de 1996
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Alencar quer plebiscito sobre a descriminação da maconha

AZIZ FILHO
DA SUCURSAL DO RIO

O governador do Rio, Marcello Alencar (PSDB), 70, defende um plebiscito nacional sobre a descriminação do uso da maconha, com debates em rede nacional de TV. Ele diz que é contra o uso da droga, mas que o assunto não pode ser jogado "para baixo do tapete".
No último dia 21, Alencar criou uma polêmica ao afirmar, em tom de brincadeira, que poderia fumar maconha para decidir se é bom ou ruim. Em entrevista à Folha , na última sexta, ele disse que vai continuar reprimindo os usuários e que considera a maconha uma porta de entrada para drogas pesadas.
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Folha - Que efeito teria a descriminação do uso da maconha?
Marcello Alencar - A descriminação hoje não seria oportuna. Julgo sensata a discussão da lei que tramita no Congresso (do deputado Urcicino de Queiroz, do PFL da Bahia) e que vence a etapa da diferenciação penal entre o que se vicia e o traficante. Isso evitaria problemas como punir vítimas de um contexto social que pressiona as pessoas ao modismo. É um problema cultural. Quando começou o uso da maconha, na geração dos Beatles, era uma coisa horrorosa. Eu mesmo a via como um droga que destruía a moral, a saúde.
Folha - O sr. acha que a descriminação ocorrerá no país?
Alencar - Talvez seja possível, na medida em que a conjuntura nos empurra para admitir coisas que não admitíamos. Na minha geração, coisas que pareciam impossíveis aconteceram, no campo moral, ético, cultural. Peguei uma época em que era imoral discutir a liberdade sexual da mulher.
Folha - O sr. não acha que o Brasil é conservador demais para discutir a descriminação?
Alencar - Existem as vanguardas. Eu pessoalmente não desejaria essa discussão, por minha tradição. Como homem público, que pensa o amanhã, acho importante.
Folha - É política de seu governo reforçar a repressão nos pontos conhecidos de consumo, como no Posto 9, em Ipanema?
Alencar - A guerra contra o consumo talvez seja uma das formas de minimizar esse mal. Mas não é a nossa política definitiva. Infelizmente, temos de atuar. Foi a imprensa quem informou que havia uma liberalização no Posto 9. Ipanema tem tradição. Lá se encontrava a geração de 68, é o lugar dos intelectuais, da classe média, que manifesta o inconformismo. Topless. Tudo é lá que acontece. A polícia foi lá reprimir porque foi advertida pela imprensa, que denunciou o apito como instrumento para mobilização contra a polícia.
Folha - O sr. está dizendo que a imprensa rompeu o silêncio?
Alencar - Rompeu o desconhecimento da polícia ou até a prioridade da polícia. Estávamos mais preocupados com o traficante. Não vou deixar de subir o morro, mas não posso deixar de fazer que a polícia atue no asfalto. Digo que é necessário fazer a discussão, porque não adianta só a repressão. Como pegar um jovem ingênuo, que vê o colega fumar e é cooptado, e tratá-lo como um criminoso?
Folha - A oposição da Igreja não pode prejudicar o debate?
Alencar - A gente não pode mais jogar essas coisas para baixo do tapete. Acho que a Igreja Católica deve entrar no debate.
Folha - Como repercutiu sua brincadeira de fumar maconha?
Alencar - Adversários medíocres dizem que eu afirmei que iria fumar. Não disse. Foi no sentido de uma liberdade que me julgo capaz de ter para conversar com os jornalistas. Acho que as drogas são responsáveis pelo incremento da criminalidade. Não posso estar a favor. Estou alucinadamente procurando uma maneira de equilibrar a violência urbana. Acho necessário o debate. Tem questões que um governador não pode dizer se é bom assim ou assado. Hoje não tenho condições de dizer os efeitos da maconha. Não sei. Estou em fase permanente de dúvida, se essa droga afeta ou não o coletivo.
Folha - A solução é reprimir?
Alencar - Não sei como se ataca isso. Enquanto houver lei, eu, como governador, reprimo. Acha que estão prendendo os apitos em Ipanema sem meu conhecimento? Não. É um fato de repercussão. Autorizei, estou dando força, porque é um crime. Temos que parar é com a hipocrisia. Homens que chegam à minha condição não devem ter tanto medo de ficarem vulneráveis. E digo mais. Como em outros países, acho que a gente devia plebiscitar essas questões.
Folha - Um plebiscito, com debate em rede nacional de TV?
Alencar - Tudo, tudo, em todos os lugares. Saber se essas coisas são ou não iguais a esses remédios que a gente toma para dormir.
Folha - As declarações que o sr. fez de brincadeira não podem estimular os jovens a encarar a maconha como algo normal?
Alencar - É uma maldade imaginar isso. Os homens que dirigem a sociedade não podem viver só da hipocrisia. Não fiz apologia do fumo. Sou governador de um Estado. Será que meu papel é a hipocrisia, só falar que sou contra? Não posso ser vulgar, temeroso, medindo demais tudo o que digo. Brincam comigo dizendo que eu bebo. É uma injustiça enorme, porque nunca fui alcoólatra. Fazem graça comigo, mas isso não vai me afetar. Será que sou tão frágil que não resisto a esse tipo de coisa? Todas essas coisas me humanizam de alguma maneira.

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