São Paulo, segunda-feira, 29 de janeiro de 1996
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Prazeres e pecados da carne

HELCIO EMERICH

Nos EUA, a carne bovina tem sido protagonista, nos últimos anos, de uma acesa batalha publicitária que coloca, de um lado, os criadores de gado de corte e a indústria frigorífica (numa coalizão de associações de classe liderada pelo poderoso BIC - Beef Industry Council) e, de outro, um movimento internacional chamado "Beyond Beef" ("Além da carne"), nome que na realidade resume uma idéia mais ampla, algo que poderia ser entendido com "Fatos negativos por trás do consumo de carne".
O mercado dos produtos vinha encolhendo nos últimos anos (queda de 15% no período de 90 a 94), e não foi difícil identificar as razões desse declínio, entre elas a crescente preferência das donas-de-casa por alimentos prontos, a agressividade do marketing dos produtores de frango e de outras aves de corte e as pressões dos grupos de defesa da ecologia e da saúde. A BIC decidiu então investir US$ 40 milhões por ano em campanhas de propaganda e ações promocionais para incentivar o consumo de carne. Utilizando temas como "O alimento real para pessoas reais" ou "Carne, o que há (de melhor) para o seu jantar", os comerciais para TV e os anúncios para mídia impressa apresentavam desde receitas de fácil preparo até estonteantes pratos da cozinha americana e internacional, tudo à base de carne vermelha e tudo "ancorado" por celebridades como Robert Mitchum, Cibyll Shepherd e James Gardner. A idéia era mudar a cabeça do consumidor americano, para quem a carne parecia só existir na forma de hambúrgueres e hot-dogs.
O contra-ataque do "inimigo" foi imediato. Comandada por Jeremy Rifkin, um ativista tinhoso da causa ecológica, a "Beyond Beef" (que por sua vez também lidera uma coalizão de 35 entidades ambientalistas de todo o mundo) botou no ar uma campanha-resposta para desencorajar o consumo de carne pela população americana. Por trás dos tentadores "steaks" mostrados pelos produtores de carne -argumentavam os anúncios da BB- estariam crimes como a destruição de florestas para a formação de pastos, a desertificação e até a fome do Terceiro Mundo, sem contar a crueldade no abate dos animais e os problemas de saúde provocados pelo consumo da carne bovina.
Jeremy (o nome de profeta apocalíptico já diz tudo) não deixava por menos: o objetivo final da sua cruzada era diminuir em 50% o consumo do produto nos EUA até o ano 2002. Não satisfeito com a repercussão da campanha veiculada nos meios de comunicação mobilizou, através de um vasto programa de relações públicas, centenas de voluntários para um trabalho corpo a corpo junto a escolas e universidades no sentido de "educar" os alunos e convencê-los a comer diariamente apenas metade da quantidade da carne servida nos refeitórios. Claro que essa iniciativa visava muito mais criar barulho na mídia do que influir no volume total de bifes e assados consumidos no país, mas era exatamente o que ele pretendia.
Até porque, aproveitando o embalo da sua campanha, Rifkin lançou um livro intitulado "Além da carne: ascensão e queda da cultura do gado", no qual exagera na tese de que comer menos carne -ou não comer carne nenhuma- é o único caminho que resta à humanidade para proteger a saúde, restaurar o meio ambiente e aumentar as áreas de terras cultivadas para a produção de mais alimentos, saciando assim a fome do mundo.
Pelos interesses em jogo de ambas as partes, a briga promete continuar nos próximos anos.

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