São Paulo, segunda-feira, 29 de janeiro de 1996
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DPVAT - abrindo a caixa preta

ANTONIO PENTEADO MENDONÇA

O DPVAT é o seguro obrigatório de veículos que todo o proprietário de automóvel paga no momento do licenciamento de seu carro. Pensado para ser um seguro eminentemente social, a lei que o instituiu é clara em dispor que todas as vítimas de acidentes de trânsito têm direito a receber a sua indenização, independentemente da culpa pelo acidente.
Todavia, na prática, não é isso o que acontece. O DPVAT, mesmo com o número altíssimo de acidentes das ruas brasileiras, é um dos seguros com menor índice de sinistralidade do mercado segurador nacional. A mágica tem uma explicação muito simples: a maioria da população brasileira não sabe sequer que o seguro existe, quanto mais que todas as vítimas de acidentes de trânsito podem receber a sua indenização! Tal desconhecimento também tem uma causa simples: o convênio DPVAT, que é quem administra esse seguro, e que é formado por um "pool" de seguradoras que atuam na carteira, nunca fez força para divulgá-lo. Ou será que alguém se lembra de uma campanha sobre o DPVAT, e sobre as suas indenizações, em horário nobre de canal de televisão?
Mais do que isso, as indenizações pagas pelo DPVAT são imorais, o que faz com que o custo por sinistro seja sempre muito baixo. Abrindo a caixa preta de uma vergonha da atividade seguradora, a maior indenização paga pelo DPVAT, em dezembro passado, era de R$ 5.081,79, para os beneficiários dos mortos depois de 14.07.92. Sim, porque os mortos entre 01.01.92 e 13.07.92 valem apenas R$ 1.856,04, e os que foram vitimados antes, pasmem, valem a fortuna de R$ 502,79! Ou seja, dependendo do caso, a família, para receber a indenização, acaba gastando mais do que recebe.
O faturamento do DPVAT entre janeiro e novembro de 1995 foi da ordem de R$ 474 milhões, ao passo que os sinistros pagos totalizaram R$ 177 milhões, e mesmo assim as seguradoras tiveram prejuízo!
Como R$ 300 milhões não somem sem explicação, é preciso continuar abrindo a caixa preta desse seguro para mostrar o que acontece com bem mais da metade de seu faturamento. Ao longo do tempo, o DPVAT foi completamente desvirtuado, em detrimento das vítimas dos acidentes de trânsito e em benefício de um grupo de sócios espúrios, que passaram a mamar na sua teta, indiferentes ao sofrimento das famílias dos milhares de mortos do nosso trânsito, que ficam desamparadas, recebendo, quando recebem, os valores ridículos acima mencionados, mesmo com os proprietários de veículos pagando um prêmio relativamente alto por um seguro que deixou de ser seguro.
O primeiro sócio do faturamento do DPVAT é o SUS. O Sistema Unificado de Saúde, no período, levou quase R$ 256 milhões, ou seja 50% do total do arrecadado. A ficção que possibilita essa sangria é a alegação de que é o sistema público de saúde quem atende a maioria das vítimas dos acidentes de trânsito. A explicação seria quase lógica, não fosse o fato do SUS ficar com 50% do faturamento total, ou seja, ele recebe também dinheiro destinado ao pagamento das indenizações por morte, sendo que ele não atente os defuntos. Como a Constituição garante a todos os brasileiros acesso irrestrito ao atendimento médico-hospitalar gratuito, fica evidente que é inconstitucional cobrar, com base nessa ficção, um compulsório disfarçado de seguro, destinado a diminuir o rombo da Previdência Social, dos proprietários de veículos.
Mas a sangria vai além, a Funenseg (Fundação Escola Nacional de Seguros), entidade destinada a treinar e a formar mão-de-obra especializada para a atividade seguradora, recebeu nestes 11 meses a módica quantia de pouco mais de R$ 10 milhões, o que equivale, a grosso modo, a 2.000 indenizações pelo valor máximo. E não há qualquer razão plausível para que os donos de automóveis sejam obrigados a desembolsar quantias dessa ordem, para subvencionar uma fundação que não lhes diz respeito, nem lhes gera qualquer benefício.
Só que a história é ainda mais comprida, os sindicatos de corretores de seguros mamaram na teta pródiga, neste período, a quantia nada desprezível de R$ 7,6 milhões, que em complemento aos impostos e taxas legais, engordou-lhes o caixa, sem que, mais uma vez, os proprietários de veículos e os beneficiários das vítimas tenham lucrado alguma coisa com mais esse desvio.
Enquanto isto, no âmbito do Mercosul, foi instituído um seguro de responsabilidade civil, nos moldes desse seguro na Comunidade Econômica Européia, que custa proporcionalmente bem menos e indeniza bem mais, sem dar prejuízo para as seguradoras, nem desviar o dinheiro dos proprietários de veículos e das vítimas dos acidentes de trânsito para atividades que lhes são completamente estranhas. As seguradoras sabem disso, por isso, mais do que nunca, é hora de elas pressionarem, forçando o fim de um produto que além de depor contra elas, ainda lhes é deficitário.

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