São Paulo, segunda-feira, 29 de janeiro de 1996
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Superando a inércia

LUÍS NASSIF

Finalmente, o governo FHC começa a se livrar da síndrome do não-posso-fazer-nada-sem-as-reformas-constitucionais" e a avançar no amplo leque de medidas infra-constitucionais necessárias para consolidar o novo padrão de desenvolvimento.
Neste final de semana, o secretário de Política Econômica, José Roberto Mendonça de Barros, deu os retoques finais no plano de previdência individual, a ser transformado em projeto de lei brevemente.
Trata-se do primeiro passo rumo à mais premente das reformas econômicas do país: a constituição de um moderno mercado de capitalização das empresas, por meio de investimentos de longo prazo.
O modelo adotado recuperou princípios do antigo PAT (Programa de Aposentadoria do Trabalhador), um fundo visando a aposentadoria complementar, que foi sepultado pela extinção dos benefícios fiscais previstos na sua criação.
No novo modelo, serão constituídos fundos de aposentadoria individual, regulados pela Comissão de Valores Mobiliários e pelo Banco Central. Esses fundos serão administrados por instituições financeiras. Mas disporão de características distintas dos atuais fundos abertos.
Portabilidade
A administração de um fundo de previdência em pouca coisa difere da administração de carteiras convencionais. Mas enquanto na administração de carteiras as taxas da instituição não passam de 0,5% ao ano, nos fundos abertos podem chegar a 20%.
A diferença de tratamento deriva do fato de o contribuinte não poder mudar de plano no decorrer do contrato.
Na nova previdência, haverá a portabilidade das cotas. Ou seja, quem não estiver satisfeito com a instituição retira suas cotas e transfere para um novo fundo, instituindo um ambiente verdadeiramente competitivo no setor.
O estímulo maior a esses planos será o tratamento fiscal. Haverá isenção para depósitos feitos por pessoas físicas ou por pessoas jurídicas, em nome das pessoas físicas. Como a contribuição não integra a renda de salários, também estará isenta de encargos trabalhistas. O imposto de renda será pago apenas quando se iniciar a fase dos benefícios.
Outra característica é que, nos primeiros dez anos, não haverá o chamado risco atuarial. O poupador vai acumulando capital, como se fosse em um fundo de investimentos convencional, sem que haja compromissos com valores de aposentadoria. Passado o prazo de dez anos, opta-se por sacar o capital acumulado ou por se comprar um plano com renda vitalícia. Ou ainda por prosseguir contribuindo.
Como ocorre em planos dessa natureza, haverá carência de três anos para saques. Quem precisar retirar dinheiro antes, pagará penalidade, que será maior do que o benefício fiscal concedido.
Contemporâneo
O novo fundo é contemporâneo em alguns aspectos. Por ser individual, vai na direção das mudanças no mercado de trabalho, com a ampliação das terceirizações e das trocas constantes de emprego. Terceirizou ou mudou de emprego, leva-se junto a reserva matemática acumulada.
Também inverte a tendência atual, de empresas não-financeiras constituirem departamentos técnicos onerosos para administrar carteiras especializadas. Pelo modelo, a empresa deposita em um dos fundos a serem criados. Se o trabalhador não estiver satisfeito com o desempenho do fundo, troca de administrador -respeitada carência de 6 meses.
Há uma série de cuidados a se tomar, no âmbito do Conselho Monetário Nacional, a fim de se conferir segurança ao modelo. Não haverá nenhuma obrigatoriedade de aplicação, explica José Roberto. Mas serão estipuladas regras de prudência, como limites de aplicação em uma só empresa, assim como a necessidade de um rating mínimo para a compra de ações de empresas.
Do mesmo modo, haverá a obrigatoriedade da publicação mensal de resultados e da carteira de aplicações dos fundos, para conferência pelos cotistas e por analistas.
Nos próximos dias, cópias da minuta serão distribuídas a advogados e especialistas em geral, a fim de se recolher as sugestões para a regulamentação final. Espera-se principalmente fechar as portas para o chamado planejamento fiscal (utilização dos fundos meramente para pagar menos IR) e para o golpe do investimento imobiliário (aplicação em imóveis que não geram receitas compatíveis).
Obviamente haverá a necessidade de modernizar rapidamente a Lei da Sociedades Anônimas, o mercado de capitais e o mercado imobiliário, para acolher a nova poupança que virá por aí.
De qualquer modo, o anúncio desse fundo rompe, finalmente, a abulia monetário-cambial desse primeiro ano de governo. Parece que, menos impregado de academicismo imobilizante do primeiro ano, a equipe econômica começa a romper com a inércia e a trabalhar as questões realmente importantes da economia.

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