São Paulo, terça-feira, 1 de outubro de 1996
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Andrée Putman traz a 'arte do menos' ao país

CELSO FIORAVANTE
DA REPORTAGEM LOCAL

Andrée Putman, a grande dama francesa do design, está em São Paulo. Faz hoje palestra no hotel Meliá e inaugura, dia 4, exposição sobre sua vida e obra.
Além de apresentar os trabalhos da designer, a mostra, que faz parte do projeto França-Brasil, traz obras de arte contemporâneas de Joseph Beuys, Gérard Garoust, Fabrice Hybert e outros, todas do acervo de Andrée. O evento segue depois para o Rio e outras cidades da América Latina.
Jornalista de decoração e moda no início de sua carreira, Andrée abandonou a profissão em 1978 para se dedicar ao design e à arquitetura de interiores.
Criou naquele ano a Ecart, loja-oficina que comercializa seus produtos e serviços e reedita móveis de designers dos anos 30, como Eileen Gray, Mariano Fortuny e Robert Mallet-Stevens.
Como arquiteta de interiores, seus trabalhos mais conhecidos são museus de Bordeaux e Rouen (ambos na França), lojas de Karl Lagerfeld e Yves Saint-Laurent (Paris), hotel Morgan's (Nova York) e os ambientes do avião concorde. Também criou a cenografia do filme "O Livro de Cabeceira", de Greenaway, sobre o qual falou, em entrevista exclusiva à Folha.

Folha - Já disseram que seu trabalho é "a arte do menos"...
Andrée Putman - Foi um grande cumprimento. Sei que desde a minha infância estive abatida e inquieta por viver em um universo muito rico, muito mobiliado, que transmitia uma idéia de poder que era muito antipática. Não tinha nenhuma vontade de participar de um grupo que ocupava o poder e que intimidava os outros.
Desde a minha tenra infância eu comecei a subtrair as coisas do meu espaço. Quando eu completei 15 ou 17 anos, consegui a permissão de minha mãe para retirar do meu quarto tudo aquilo que era belo e antigo. Não queria nada.
Eu queria começar pela página em branco. Me lembro que deixei apenas um cartaz de Miró, um móvel para sentar e uma cama. Depois coloquei duas cadeiras de Mies van der Rohe. Assim eu podia respirar e estar bem.
Folha - Não existem diferenças entre criar para um museu e para uma loja de moda?
Putman - Não gosto de pensar na contraposição entre ambientes comerciais e materialistas e aqueles no qual a alma se desenvolve, onde se encontra a sensibilidade, o choque estético de uma obra...
É necessário que tudo seja poético no senso de que não ocupe muito espaço. E, no senso mental, que não ocupe o espírito com coisas muito virtuosas. Com esse estado de espírito, posso fazer com a mesma facilidade um museu, um hotel ou uma loja.
Penso sempre na simplicidade. Uma sala vazia com uma bela luz e algumas cadeiras não é um estilo que agrade neste fim do século, mas é o que me interessa.
Folha - Mas você tem preferências...
Putman - Eu adoro encontrar soluções muito modestas e banais, com materiais populares. Adoro brincar, criar algo que indique que podemos sempre reconciliar as coisas mais simples e as magníficas. Elas devem estar juntas, da mesma forma que um rei e um mendigo devem viver no respeito um ao outro.
Todo o meu trabalho se sustenta nessa confrontação e reconciliação. Não existe a idéia do poder.
O dinheiro não tem nada a ver com o estilo e essa infeliz idéia de que é possível pagar pela elegância, comprá-la, não é verdadeira.
Folha - Como você decidiu editar móveis dos anos 30 em sua loja?
Putman - Tive a oportunidade de perceber que existiu uma grande quantidade de criadores nos anos 30 que haviam sido esquecidos. Nunca esquecemos a Bauhaus, porque ali existiam criadores, teóricos, historiadores, pessoas muito articuladas. Mas existiram visionários solitários, que não pertenceram a movimentos e por isso foram esquecidos.
Folha - O que você traz para a mostra no Brasil?
Putman - É uma mostra onde é possível ver como eu trabalho, de onde venho, o que sou, o que amo. Apresenta alguns artistas que eu gosto. É uma pequena mostra, modesta, gentil, provinciana.
Folha - Como foi criar a cenografia de "O Livro de Cabeceira", de Peter Greenaway? Foi sua primeira experiência?
Putman - Sim. Foi mágico. Ele me falou de seu sonho sobre o texto dessa gueixa do século 11, na corte do imperador, em Quioto. Ela era jovem, mas compreendia tudo da vida. A história foi transposta para o século 21, em Hong Kong. Ele me descreveu o que se passava. Era como seu eu estivesse em um cinema.
Folha - Você também criou os ambientes do avião concorde...
Putman - Fiz um trabalho muito mais discreto que os outros concorrentes. Fiz tudo para tirar a noção de luxo e para reforçar a noção de que o avião era um objeto de trabalho extraordinário. A ostentação irrita os que trabalham e os que gastam seu dinheiro no bilhete. O luxo faz lembrar todo o dinheiro que se pagou. Fiz um discurso sobre o não-luxo e a utilidade do trabalho.

Mostra: Andrée Putman
Curadoria: Jean-Marc Grangier
Onde: Salão Cultural da Faap (r. Alagoas, 903, tel. 011/824-0233, ramal 1123) Vernissage: dia 4, às 19h30
Quando: de 5 a 30 de outubro
Conferência: Andrée Putman
Onde: hotel Meliá - auditório Casa Branca (av. das Nações Unidas, 12.559, tel. 011/284-4233) Quando: hoje, às 10h

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