São Paulo, terça-feira, 1 de outubro de 1996
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O vilão da história (2)

CARLOS HEITOR CONY

Rio de Janeiro - Não sendo o vilão da história, mas vítima, embora algumas vezes cúmplice, o povo é quem afinal paga a conta das revoluções, experiências sociais ou científicas. Generais na guerra e políticos na paz são hábeis em transformá-lo em massa. E é como simples massa que ele responde aos apelos eleitorais -com as poucas exceções em que, de tempos em tempos, pode agir realmente como povo.
Com o advento da comunicação eletrônica e a facilidade com que são feitas as pesquisas, a capacidade de absorver as mensagens é agredida fundamente. O homem do povo não mais sai de casa para ouvir o candidato no comício ou na reunião da fábrica. Ele recebe os apelos eleitorais de cambulhada com a novela, o filme, o programa de humor.
Tudo se mistura no liquidificador, o trem virtual e a casa que a favelada ganhou são cenas do capítulo da novela de ontem que ele revê no próximo capítulo. O resultado da Sena confunde-se com a última pesquisa -o presidente que já morreu aparece vivo na campanha daquele candidato que promete fazer mais. O herói da Fórmula 1 acidentado em Imola reaparece agitando aquela bandeirinha e pedindo voto para outro. Como é que pode?
Mais importante do que o candidato, do que de suas idéias, virtudes e capacidades é o estrategista da campanha. Atordoado, o povo acaba votando como votaria num programa do "Você decide". Tudo será um faz-de-conta: a sua realidade continuará a mesma.
Daí que, sem exceção institucional (evidente que há exceções no varejo) uma eleição dentro das regras atuais é pior do que uma fraude: é uma sofisticada jogada de marketing. O povo pode errar comprando um sabonete ruim ou tomando uma cerveja vagabunda. Tem o recurso de jogar fora o sabonete ou a cerveja. No caso do prefeito ou do presidente, terá de consumir o mau produto por quatro anos. Ou oito.

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