São Paulo, terça-feira, 1 de outubro de 1996
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Publicidade

ANDRÉ LARA RESENDE

O capitalismo, a livre iniciativa e o sistema de mercado são imbatíveis como forma de produção de riqueza. Dependem, entretanto, da permanente criação de necessidades. A publicidade, o verdadeiro bombardeio de publicidade a que estamos submetidos na vida moderna parece, infelizmente, ser indissociável do capitalismo moderno.
Meu desconforto com publicidade vem de longa data, mas tem se agravado. A chegada -tudo indica que definitiva- da publicidade à política explica a exacerbação de uma implicância antiga. A propaganda eleitoral e as campanhas conduzidas segundo os cânones publicitários me parecem um desvirtuamento imperdoável dos procedimentos democráticos.
Os bonés e as camisetas distribuídos nas esquinas por pobre diabos, que ontem distribuíam folhetos do último lançamento imobiliário e hoje, contratados por alguns trocados, a expressão triste, agitam bandeiras coloridas nas esquinas, longe de reavivar meu entusiasmo cívico-eleitoral deixam-me um traço melancólico de desesperança.
Há alguns dias no "O Estado de S.Paulo", José Castello diz ao romancista português José Saramago, seu entrevistado, que ele lhe parece um homem triste. A resposta de Saramago é que a sua tristeza é compaixão. Somos todos uns pobres diabos, é só isso, observa Saramago.
Somos todos uns pobres diabos, não há dúvida, mas o esforço para nos convencermos do contrário pauta nossas vidas.
Estar frente a frente com nossa insignificância, com o fato de que nada somos e morreremos é de tal forma aterrorizador que não somos capazes de sustentar a consciência de nossa condição: é preciso nos distrairmos. As formas que encontramos são as mais diversas, mas no mundo moderno a mais comum é o consumo.
A obsessão pelas compras é o mais característico traço do homem imerso na ficção dos jogos da sociedade de sua época.
Inconscientemente apavorado diante de qualquer sinal de sua individualidade, o homem comum quer fazer parte a qualquer preço: da torcida organizada, dos partidários de um determinado candidato, dos que já viram o último sucesso do cinema, dos que têm o carro do ano, dos que compram porque venceram na vida e que venceram na vida porque compram.
Os meios de comunicação e a publicidade regem a vida. Os desejos, as ambições, as alegrias e os códigos passivamente compartilhados reconfortam-nos pela imersão no trivial e tranquilizam-nos pela redução das alternativas do possível.
Aí está a grande contradição: sob a aparência de criar alternativas, de ampliar o leque de produtos, de serviços e de instrumentos para o bem-estar, o capitalismo moderno e seu porta-voz, a publicidade, nos aprisionam num mar de necessidades triviais.
Opta-se pela prisão das pequenas necessidades porque nos parece seguro e reconfortante, mas soterrados em banalidades a vida perde sentido -fica só a prisão. Pois não sei se também a política, conduzida pelas mãos da publicidade, não corre o risco de retirar da vida pública o sentido que lhe resta.

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