São Paulo, quarta-feira, 2 de outubro de 1996
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Diretor do FMI cobra ajustes de Malan

GILSON SCHWARTZ
ENVIADO ESPECIAL A WASHINGTON

Destoando dos discursos prontos e conselhos convencionais que caracterizam nove em cada dez seminários com ministros em Washington (EUA), Stanley Fischer deu um verdadeiro pito no governo brasileiro, cobrando maior velocidade no ajuste fiscal necessário para consolidar o Plano Real.
Fischer usou a expressão "consolidação fiscal" várias vezes e alertou para a instabilidade ainda presente nos bancos públicos.
Stanley Fischer é diretor do FMI e chefe do departamento de economia do célebre Massachusetts Institute of Technology, o mesmo MIT de onde saíram os principais formuladores do Plano Real.
Sua análise franca e incisiva foi o ponto alto de um café da manhã oferecido pelo Banco Pontual, com a presença do próprio ministro Pedro Malan (Fazenda) e do ex-presidente do Banco Central Affonso Celso Pastore, também crítico das inconsistências do Real.
Fischer disse que um déficit em conta corrente de até 4% do PIB é aceitável se de fato ocorrer um aumento nos investimentos estrangeiros diretos, mas alertou que mantê-lo em até 2,5% seria, por enquanto, uma "decisão sábia".
Quanto ao déficit público, ele reconhece que ocorreu uma redução, mas considerou-a insuficiente para justificar maiores quedas nas taxas de juros.
Como já ocorreu em outros seminários sobre o Brasil nessa reunião do FMI, Fischer deu ênfase à elevação da dívida líquida total do setor público brasileiro, de 20% do PIB em 1994 para 33% em 1996.
Problemas
O diretor do FMI classifica o Brasil como um caso de "sucesso em geral, mas acompanhado de problemas". O principal, do ponto de vista macroeconômico, é o fato de a atual combinação de política cambial e de juros ser insustentável. Sem consolidação fiscal, os juros continuam altos, dificultando ainda mais o próprio ajuste fiscal.
Fischer, um dos mais conceituados macroeconomistas da atualidade, advertiu também contra o uso excessivo de restrições às importações. Sugeriu que, se fosse de fato realizado um ajuste fiscal, o câmbio poderia ser corrigido sem maiores impactos inflacionários.
No final de sua preleção, sublinhou os obstáculos políticos que o governo estaria enfrentando para resolver o problema dos bancos estaduais, reformar a previdência e avançar no programa de privatização -os principais obstáculos à tal "consolidação fiscal".
A resposta de Malan foi a mais agressiva de suas intervenções nos últimos dias. Não apenas pelas respostas diretas, mas pelo número exagerado de piadas usadas no discurso, quebrando o formalismo e ao mesmo tempo tentando suavizar a dureza das respostas.
O ministro foi obrigado a reconhecer que o debate estava sendo colocado, por Pastore e Fischer, num nível de franqueza excepcional. Mas, ressalvou, sendo críticas competentes e com boa intenção, na realidade seriam só sugestões.
Malan atribuiu todo o problema de velocidade à democracia, desviando a questão do acerto ou desacerto das decisões do governo para a necessidade de negociar com o Congresso, onde o governo nem sempre consegue maioria.
Pelo menos um financista presente comentou depois que esse tipo de resposta acaba sendo um "tiro no pé, pois demonstra que o governo é politicamente fraco".
Malan fez também uma crítica à visão puramente macroeconômica (o ponto forte de Fischer), dizendo que muitas medidas estão acontecendo numa batalha diária por mudanças no relacionamento com governos e bancos estaduais.
Depois de contar uma piada sobre bêbados ("a realidade é uma ilusão causada pela escassez de álcool"), Malan rebateu a crítica de Fischer às intervenções protecionistas do governo cobrando "mais sobriedade" na análise.
Ele citou o processo contra os EUA na Organização Mundial do Comércio que afinal beneficiou Brasil e Venezuela. "Isso significa que os EUA são protecionistas?", perguntou Malan, citando outros países que adotam medidas tópicas de proteção que, segundo ele, são previstas pela OMC.

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