São Paulo, quarta-feira, 2 de outubro de 1996
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Do "efeito tequila" ao "efeito tango"

ANTONIO BARROS DE CASTRO

A crise do México abalou diversas crenças e ajudou a criar uma nova percepção das possibilidades e perigos inerentes à transição para uma economia estável e aberta.
Ficou claro, por exemplo, que a passividade diante do déficit de transações correntes pode se revelar altamente perigosa. E isso deve ser seriamente considerado, mesmo que capitais privados alegremente se disponham a ingressar no país.
Ganhou, também, novos adeptos a convicção de que medidas e providências devem ser tomadas para que a volatilidade dos capitais que ingressam no país seja reduzida.
No caso brasileiro, muito particularmente, o "efeito tequila" colaborou decididamente para a redescoberta de que certos setores da economia devem ser protegidos da concorrência externa.
Além do mais, ficou aparentemente estabelecida a curiosa convenção de que a poupança externa absorvida pelo país não deve exceder 3% do PIB.
Com o recente agravamento da situação argentina, ficamos diante de um novo tipo de crise, muito provavelmente destinado, mais uma vez, a influenciar a visão brasileira do ajuste estrutural, da estabilização e de suas consequências.
Desta feita, o epicentro da crise parece residir no desemprego. A seu respeito, aqui vão algumas observações.
Mesmo uma estabilização superexitosa, acompanhada de reformas estruturais de uma intensidade dramática (alguns diriam argentina), pode não colocar a economia no piloto automático. E, nesse caso, não há como invocar fatores externos.
A bem dizer, a Argentina sobreviveu surpreendentemente bem ao "efeito tequila". Dito melhor: a economia retraiu-se e os capitais externos voltaram, normalizando-se, com isso, a situação. Os analistas, de imediato, passaram a prever a retomada do crescimento.
Este, porém, reiteradamente anunciado pelo ministro Cavallo, não voltou -com o que o desemprego começa a tornar-se um problema crônico, ao mesmo tempo em que se agrava a situação fiscal. Numa palavra, a economia começa a enredar-se em problemas por ela mesma engendrados.
A segunda observação é de natureza especulativa.
Lançado o programa de estabilização com abertura, verifica-se o encarecimento dos bens e serviços não-comercializáveis ("non-tradeables").
Num clima de festivo crescimento, o desemprego criado pelas decisões de ajuste microeconômico (especialmente no campo industrial) e também pela privatização, pode, em certa medida, ser absorvido. O crescimento da economia ajuda, por razões óbvias, e a valorização dos não-comercializáveis aumenta a capacidade desse tipo de atividade de absorver trabalhadores e mesmo empresários.
Afinal, é muito mais fácil passar de mecânico a taxista, de operária têxtil a vendedora de salgadinhos, ou mesmo de empresário a dono de loja de vídeo ou academia de ginástica, com os respectivos preços correndo à frente dos demais.
Mas esse movimento cessa. Desapareceu na Argentina e perdeu fôlego no Brasil. Numa palavra, com a chamada convergência dos preços, essas atividades deixam de operar como esponjas de emprego.
Aliás, confundir esse tipo de fenômeno, obviamente transitório, com tendências de longo prazo do capitalismo é não distinguir mudanças de natureza estrutural de acomodações circunstanciais.
A última observação nos coloca diante das escolhas que vão sendo feitas pelos empresários para ajustar-se ao novo quadro.
Diante de um grande atraso, acumulado durante mais de um decênio de alta inflação e estagnação, os empresários se defrontam, hoje, com equipamentos imensamente superiores -e relativamente baratos. Que fazer? Sair comprando? A tentação é enorme.
Acontece, porém, que equipamentos -e, mais que eles, os pacotes tecnológicos que os acompanham- não são bananas. Sua compra indiscriminada pode provocar desemprego massivo.
Além disso, em muitos casos, os resultados podem revelar-se decepcionantes. Primeiro, porque problemas de eficiência raramente se resolvem com hardware; segundo, porque um simples pacote pode amarrar o empresário a uma trajetória tecnológica que longe está de ser a mais indicada.
Para o país, além disso, as novas técnicas, muitas vezes, ampliam desnecessariamente a tendência a buscar suprimentos.
Numerosas empresas presentemente se encontram em face da necessidade de tomar decisões, cujas consequências se estenderão pelo futuro -e cujos resultados dependerão das soluções que outras empresas estão, simultaneamente, adotando.
Em resumo: estamos diante de um caso em que a coordenação de decisões é, obviamente, desejável. O mínimo que se pode demandar é a definição de prioridades e, com elas, rumos.
Se o "efeito tango" nos levar a discutir as consequências de longo prazo e estruturais das mudanças em curso na economia, terá sido tão ou mais benéfico que o "efeito tequila". Melhor que isso, só se começássemos a pensar sem ser atropelados pelas crises dos outros. Mas isso talvez seja pedir demais.

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