São Paulo, quarta-feira, 2 de outubro de 1996
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"Dead Man" ressuscita carreira de Jarmusch

AMIR LABAKI
DA EQUIPE DE ARTICULISTAS

"Dead Man" (Homem Morto) passou em brancas nuvens na competição de Cannes-95, mas merecidamente ressuscitou a carreira de Jim Jarmusch ("Mais Estranho Que o Paraíso").
A principal atração hoje da seleção paulistana da 8ª Mostra Rio é um estranho faroeste, rodado num preto e branco cheio de contrastes pelo grande Robby Mueller ("Paris, Texas") e estrelado por ninguém menos que Johnny Depp ("Eduardo Mãos-de-Tesoura").
"A abertura do formato faroeste, e sua inseparável conexão com a América no seu mais amplo sentido, me atraíram a ele", explicou Jarmusch.
Antes que homenageado, o gênero é tomado pelo universo todo próprio do cineasta. O resultado é perturbador.
Anti-herói catatônico
Jarmusch desrespeita programaticamente as regras clássicas do faroeste. Acompanha-se a saga de um dos "estrangeiros" típicos de sua filmografia.
Bill Blake (Johnny Depp) é um americano perdido numa América que desconhece: a fronteira violentamente em expansão a oeste na segunda metade do século 19.
A urbana fragilidade de Blake está estampada nos finos óculos que porta. É um anti-herói perto do catatonismo. Sua trajetória desenha-se com forte acento irônico.
A força do novo ambiente vai modificá-lo radicalmente. Passivo e pacífico, Blake mata por acidente um filho do chefão local (o grande Robert Mitchum) e foge perseguido por três pistoleiros (Lance Henriksen, Michael Wincott e Eugene Byrd).
Um índio surrealmente bem letrado, "Ninguém", interpretado por Gary Farmer, o socorre acreditando ter encontrado a versão reencarnada de seu ídolo literário, o poeta inglês William Blake (1757-1827).
É esta confusão a chave do filme. Jarmusch aproxima o misticismo revolucionário do autor de "O Casamento do Céu e do Inferno" (1790) do ideário dos americanos nativos expresso por "Ninguém".
"Dead Man" põe assim Blake contra Blake, isto é, o jovem representante da ascendente América capitalista contra o cantor dionisíaco e crítico primeiro das cruezas da revolução industrial.
Bill abre seu caminho a bala, recebe algumas ele mesmo e lentamente agoniza. Para o ex-jovem citadino, a morte talvez seja a única saída.
Já para "Ninguém", que como o poeta "segura o infinito na palma das mãos e a eternidade numa hora", é apenas parte de um ciclo, mais uma etapa de depuração.
Entre filosófico e tragicômico, o faroeste de Jarmusch é sua mais complexa realização.

Filme: Dead Man
Direção e roteiro: Jim Jarmusch
Fotografia: Robby Mueller
Trilha: Neil Young
Com: Johnny Depp, Robert Mitchum, Gary Farmer, Gabriel Byrne, Iggy Pop
Duração: 134 minutos
Quando: hoje às 21h30 e amanhã às 15h30
Onde: Espaço Unibanco de Cinema - Sala 2 (r. Augusta, 1475/1470, tel. 288-6780)

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