São Paulo, sábado, 5 de outubro de 1996
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Advogado Criminal

SERGIO SALOMÃO SHECAIRA

Nobre função essa a do advogado criminal. Ainda mais quando ele tem a noção de sua cabal nobreza. Necessariamente passional, para assumir a posição do cliente sem lhe indagar a razão, por mais que contra ela se ericem as opiniões alheias ou aquilo que se convencionou chamar "opinião pública".
"Advogado", dizem os léxicos, é pessoa que é chamada a socorrer seu "cliente" (que é aquele que lhe pede ajuda). Para fazê-lo, "postula" em seu nome, pedindo aquilo que se tem direito de ter, ainda que para tanto tenha que se sentar ao lado do acusado, muitas vezes pobre, tantas vezes sujo, em inaudito exercício de solidariedade.
Contra o acusado sempre converge a aversão de alguns, quando não de muitos (quiçá de todos), mas o verdadeiro advogado criminal arrosta todas essas adversidades. Não raro, as imprecações da multidão voltam-se contra ele, por estar ao lado -como sempre está- de seu cliente.
No plano das idéias, até vozes consideradas liberais, bem lembrou Antonio Evaristo de Moraes Filho, "vêm expressando estranheza pelo fato de pessoas acusadas de crimes infamantes encontrarem bacharéis que as defendam nos tribunais" (RBCCrim, vol. 9, p. 104).
A experiência da advocacia criminal tem estado sob o signo da humilhação. Até o presidente de uma associação de advogados criminais afirma: "Não defenderemos bandidos!" E apregoa a quatro ventos sua decisão, que ecoa retumbante na opinião pública.
Os advogados vocacionados, no entanto, sabem que sua profissão é indispensável à administração da Justiça (art. 133 da Constituição de 1988); sabem que não haverá devido processo legal se não houver contraditória e ampla defesa (art. 5º incisos 54 e 55 da Carta Maior); sabem que o preso, já o dizia Mateus, ao expor a escala dos necessitados, só é catalogado após os "famintos, sedentos, despidos, vagabundos e enfermos -escala essa que conduz o meio animal da essencial necessidade física à necessidade essencialmente espiritual" ("As misérias do processo penal", Francesco Carnelutti, pág. 25); -sabem que quando o preso precisa de assistência recorre à família e ao advogado (art. 5º, 63 da Lei Maior); sabem, por fim, que tal prestação jurisdicional é tão relevante que, se não houver assistência jurídica a alguém, o Estado a prestará integral e gratuitamente (art. 5º, 74 da Carta Magna).
Gostaria de não ter a necessidade de defender o advogado criminal desse achincalhe público a que tem sido submetido ultimamente. Mas é que o discurso jurídico tem mantido um infernal silêncio sobre um tema essencial à consagração do direito em nossos dias: a Justiça, que pressupõe, sempre, a liberdade do homem, precisa tomar consciência de que, em se atingindo a defesa dos acusados ou a figura do advogado criminal, defensor por natureza, estar-se-á servindo à mentalidade opressora de uma época.
A serenidade que o momento está a exigir demanda que se reflita para perceber que "o verdadeiro cliente do advogado criminal é a liberdade humana. Se for necessária a defesa de imputados que recebem a pecha de "bandidos", façamo-la, para que a liberdade, valor imprescindível à preservação do Estado Democrático de Direito e à própria democracia, não seja mais esquecida.

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