São Paulo, sábado, 5 de outubro de 1996
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Paródia de 'Drácula' se perde no mito

NELSON DE SÁ
DA REPORTAGEM LOCAL

Com o título de "Transilvânia", um primeiro tratamento de "Drácula e Outros Vampiros" foi apresentado, ano passado, no Sesc Pompéia e em outros teatros do Sesc no interior de São Paulo. Era então, quase um ano atrás, criado às pressas, um melhor espetáculo do que agora.
Era engraçado, cumpria melhor o papel de paródia de um teatro superficial, "história em quadrinhos"; era uma farsa irresponsável, a lembrar à distância a melhor irresponsabilidade de Nelson Rodrigues. E tinha Antunes Filho no palco, personagem de si mesmo, cópia burlesca do diretor "criador", vampiro, mas também inventor de atores.
Agora tudo está desbastado, reduzido à essência formal, na tradição apolínea do diretor, aliás sempre exigida dele. Sobriedade e disciplina em cena.
Perdeu a graça. Acompanhar o público da estréia de "Drácula" esforçando-se por rir de uma farsa que já não era, o mesmo público que exige Antunes em seu papel apolíneo, chegou a ser constrangedor -como se o diretor precisasse daquilo -e ele, artista maior, certamente não precisa.
Em progresso
Talvez "Drácula" estivesse melhor como ensaio aberto, ou como primeiro tratamento, "work in progress", como gosta de dizer um dos parodiados maiores da noite, Gerald Thomas. (Vide a história em quadrinhos, a própria fumaça, a locução superior do encenador, a masturbação em cena... Todos, diga-se, elementos próprios do envelhecido e desmascarado teatro de imagens, no mundo.)
Mantida em "progresso", a peça expressaria com maior evidência o irracionalismo de direita, o "mal" alegorizado pelos vampiros, o qual, ao fim e ao cabo, a peça busca denunciar no tom mais engajado. O irracionalismo, de um ano para cá, praticamente desapareceu da peça, foi reprimido.
"Drácula", ao contrário de "Transilvânia", ainda que traga basicamente as mesmas cenas, busca uma linha de condução, de narração; procura organizar-se e perde a irresponsabilidade das comédias. Mais, abre caminho para que se procure exigir do espetáculo todo o rigor técnico de momentos anteriores, muitos deles brilhantes, do encenador.
Assim, a "interpretação" dos poemas lúgubres pelo próprio Antunes -a única voz em cena- passa a carregar supostos defeitos de empostação, de projeção de voz... Na realidade, não carrega, é só parte do esforço cômico, mas, como a comédia não se faz, exige-se o velho rigor -pelo menos o velho rigor.
HQ mítica
O resultado não é muito diverso do que se viu nas montagens de Nelson Rodrigues no início dos anos 80, igualmente reduzidas à essência mítica. A diferença é que, paródia, "Drácula" nem tem ao que ser reduzido; resulta em algo como uma HQ "mítica".
Não à toa, como em "Nova Velha Estória", de equívocos semelhantes, o melhor em cena acaba sendo o resquício de Macunaíma representado por Geraldo Mário, inicialmente como "ponto" ou Secretário de Drácula, depois como um Anjo diabólico. É um sopro de Grande Othelo, brasileiro, teatro de revista, conscientemente irracionalista.

Peça: Drácula e Outros Vampiros
Onde: teatro Sesc Anchieta (r. Dr. Vila Nova, 254, tel. 256-2281)
Quando: qua a sáb, às 21h, dom, às 19h
Quanto: R$ 16 e R$ 20 (sáb)

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