São Paulo, sábado, 5 de outubro de 1996
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EFEITO BUMERANGUE

Parecem ainda pouco claras as razões pelas quais a moda dos comportamentos ditos "politicamente corretos" se desenvolveu com tanta força em países como os EUA.
Para uns, atendidas as demandas sociais mais urgentes, teria chegado a hora de enfrentar problemas relativos à postura moral dos indivíduos no convívio em sociedade. Para outros, ao contrário, a preocupação quase obsessiva com o "politicamente correto" serviria para tentar explicar, ou mesmo encobrir, novos problemas -como o desemprego, a diminuição do crescimento dos salários reais e as rachaduras no sistema de cobertura social-, para os quais os governos ainda não obtiveram soluções aceitáveis.
Há, por fim, os que vêem nessa onda moralista uma tentativa, talvez inevitável, de fazer um contrapeso para a forte liberalidade nos costumes que, nas décadas de 60 e 70, atingiu intensamente boa parte da classe média norte-americana.
Seja qual for a explicação aceita, o fato é que, no momento, o fenômeno parece ultrapassar os limites do aceitável. Em apenas uma semana, e em Estados diferentes, dois meninos norte-americanos, de 6 e 7 anos, foram acusados de assédio sexual por terem beijado o rosto de colegas de classe; e uma escola da Califórnia foi condenada a pagar indenização de US$ 500 mil, sob acusação de ter sido negligente em relação a uma denúncia de "assédio sexual" similar, praticado por um menino de 11 anos.
O exagero no policiamento dos costumes parece, nesse caso, desconsiderar a incompatibilidade entre as características psicológicas de um pré-púbere e a natureza calculista e maliciosa de um autêntico assediador sexual. Todos os indivíduos são nivelados por um código moral cuja aplicação deveria ser mais matizada.
Cai-se então num paradoxo: buscando inicialmente uma moderação nos comportamentos radicais, a moda do "politicamente correto" vai afinal se transformando, ela própria, com seus exageros inquisitoriais, em um fenômeno também politicamente incorreto.

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