São Paulo, domingo, 6 de outubro de 1996 |
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Baixo salário e correria 'explicam' erros
AURELIANO BIANCARELLI; ROGERIO SCHLEGEL
O perfil do médico que surge na pesquisa feita pela Fiocruz (Fundação Osvaldo Cruz) e Conselho Federal de Medicina revela uma categoria mal paga e estressada. Nas cidades maiores, grande parte do tempo é consumido com deslocamentos. Sem dinheiro, a maioria dos médicos não participa de congressos e 8% não têm acesso sequer a revistas científicas. A correria e os baixos salários não justificam, mas podem explicar boa parte dos erros médicos, maus-tratos e desrespeito na relação com o paciente. "Há um movimento crescente na defesa da cidadania do paciente, mas o direito do médico está sendo esquecido pelo próprio Estado", diz Pedro Henrique Silveira, presidente do CRM. "Nos hospitais estaduais, um médico ganha R$ 600, com todos os acréscimos." Alguns profissionais chegam a trabalhar 100 horas por semana, diz Silveira. Ao correr de emprego em emprego, o médico fica sem tempo para ouvir o paciente, e aí começam as desconfianças. "Uma vez estremecida a relação, se iniciam os equívocos." O Sindicato dos Médicos de São Paulo culpa a pressão de laboratórios, fabricantes de equipamentos e empresas de medicina de grupo pela deterioração das relações. "Essa imposição do mercado está distanciando o médico do paciente", diz José Erivalder Guimarães, presidente do sindicato. Na sua opinião, médico e doente precisam agir como parceiros e aliados, o que facilitaria o diagnóstico e o tratamento. Irene Abramovich, conselheira do CRM e médica do Hospital das Clínicas, diz que o respeito ao paciente deve prevalecer independentemente das precárias condições de trabalho dos médicos. "O médico detém a informação científica e precisa encontrar tempo e linguagem adequada para informar ao paciente. Se não tem tempo nem ganha para isso, deve brigar para ter essas condições." Em muitos convênios de saúde, o médico tem menos de 15 minutos para ouvir o paciente, examiná-lo e discutir com ele o diagnóstico e o tratamento. Nos ambulatórios da rede pública, esse tempo cai pela metade. Segundo Irene, o médico precisa ser preparado para lidar com o paciente. "O médico não é dono da verdade, nem pode decidir pelo paciente. Mas essas mudanças não são feitas da noite para o dia." Para os diretores de entidades médicas, a preocupação com a ética e a relação com o paciente não são novas. O tema está presente hoje em todos os congressos médicos. "Estamos agora discutindo a autonomia do paciente", diz Irene. Não se trata apenas de informá-lo sobre o que tem e o que será feito, mas de perguntar a ele se concorda com tal procedimento. "O médico dirá que ele precisa ser operado, por exemplo, mas caberá ao paciente -desde que maior de idade, consciente e lúcido- decidir se quer ou não a cirurgia." (AURELIANO BIANCARELLI e ROGERIO SCHLEGEL) Texto Anterior: Desconhecimento, ceticismo e dor inibem queixas Próximo Texto: Avô diz que teve que gritar por atendimento Índice |
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