São Paulo, domingo, 6 de outubro de 1996
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Baixo salário e correria 'explicam' erros

AURELIANO BIANCARELLI; ROGERIO SCHLEGEL
DA REPORTAGEM LOCAL

Cerca de 60% dos médicos brasileiros ganham até R$ 1.300 por mês. Um quarto dos profissionais tem quatro empregos ou mais. Só 20% deles se dizem otimistas com o futuro da profissão.
O perfil do médico que surge na pesquisa feita pela Fiocruz (Fundação Osvaldo Cruz) e Conselho Federal de Medicina revela uma categoria mal paga e estressada.
Nas cidades maiores, grande parte do tempo é consumido com deslocamentos. Sem dinheiro, a maioria dos médicos não participa de congressos e 8% não têm acesso sequer a revistas científicas.
A correria e os baixos salários não justificam, mas podem explicar boa parte dos erros médicos, maus-tratos e desrespeito na relação com o paciente.
"Há um movimento crescente na defesa da cidadania do paciente, mas o direito do médico está sendo esquecido pelo próprio Estado", diz Pedro Henrique Silveira, presidente do CRM. "Nos hospitais estaduais, um médico ganha R$ 600, com todos os acréscimos."
Alguns profissionais chegam a trabalhar 100 horas por semana, diz Silveira. Ao correr de emprego em emprego, o médico fica sem tempo para ouvir o paciente, e aí começam as desconfianças. "Uma vez estremecida a relação, se iniciam os equívocos."
O Sindicato dos Médicos de São Paulo culpa a pressão de laboratórios, fabricantes de equipamentos e empresas de medicina de grupo pela deterioração das relações. "Essa imposição do mercado está distanciando o médico do paciente", diz José Erivalder Guimarães, presidente do sindicato.
Na sua opinião, médico e doente precisam agir como parceiros e aliados, o que facilitaria o diagnóstico e o tratamento.
Irene Abramovich, conselheira do CRM e médica do Hospital das Clínicas, diz que o respeito ao paciente deve prevalecer independentemente das precárias condições de trabalho dos médicos. "O médico detém a informação científica e precisa encontrar tempo e linguagem adequada para informar ao paciente. Se não tem tempo nem ganha para isso, deve brigar para ter essas condições."
Em muitos convênios de saúde, o médico tem menos de 15 minutos para ouvir o paciente, examiná-lo e discutir com ele o diagnóstico e o tratamento. Nos ambulatórios da rede pública, esse tempo cai pela metade.
Segundo Irene, o médico precisa ser preparado para lidar com o paciente. "O médico não é dono da verdade, nem pode decidir pelo paciente. Mas essas mudanças não são feitas da noite para o dia."
Para os diretores de entidades médicas, a preocupação com a ética e a relação com o paciente não são novas. O tema está presente hoje em todos os congressos médicos. "Estamos agora discutindo a autonomia do paciente", diz Irene. Não se trata apenas de informá-lo sobre o que tem e o que será feito, mas de perguntar a ele se concorda com tal procedimento.
"O médico dirá que ele precisa ser operado, por exemplo, mas caberá ao paciente -desde que maior de idade, consciente e lúcido- decidir se quer ou não a cirurgia."
(AURELIANO BIANCARELLI e ROGERIO SCHLEGEL)

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