São Paulo, domingo, 6 de outubro de 1996
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O velho e o novo

LUÍS NASSIF

O país está em processo acelerado de mudanças, mas, muitas vezes, os padrões de análise continuam presos ao velho modelo.
Os diversos balanços das eleições municipais são prova eloquente dessa falta de sintonia entre o velho e o novo. Ora se diz que o governo ganhou, ora que perdeu. Ora se sustenta que a reeleição foi fortalecida, ora que dançou.
A grande leitura das eleições é outra. Mais do que em qualquer outro momento da história, elas significam a consolidação do municipalismo sobre o centralismo.
Pelo menos na parte mais urbanizada do país, temas nacionais não tiveram vez. A tendência pelo continuísmo, detectada em diversas pesquisas, mais do que a aprovação aos atuais prefeitos, significou que o governo federal deixou de ser o referencial de gestão pública.
Fosse referencial, a perspectiva de se ter a rede de metrô ampliada teria sido suficiente para alavancar a candidatura de José Serra.
Interesses imediatos
Contribuiu para isso, de um lado, a melhoria da situação financeira dos municípios -em muito melhores condições do que os Estados e a União.
De outro, a consolidação de experiências administrativas bem sucedidas -ou a punição de experiências mal sucedidas.
Como se explica que a oposicionista Salvador tenha consagrado ACM? Ou que na libertária Recife dos praieiras um candidato de direita (ainda que apoiado por um prefeito de esquerda) tenha obtido a primeira vitória em mais de 60 anos? Ou que as esquerdas tenham massacrado mais uma vez em Belo Horizonte e Porto Alegre?
Em todas essas cidades, venceu a ótica dos interesses imediatos dos eleitores.
Pode constranger almas mais eruditas, mas é justamente esse interesse que deve prevalecer.
Eleições representam a síntese dos interesses difusos dos eleitores.
Se a maioria sufraga determinado candidato, é porque a soma de seus interesses individuais foi melhor atendida pelo candidato vitorioso.
Sem plebiscito
Mesmo em cidades tidas como plebiscitárias -como São Paulo- a situação federal pouco pesou. Pelo contrário. A mesma cidade que consagrou José Serra como personagem nacional -com votações recordistas para deputado federal e senador- rejeitou-o para prefeito. Da mesma maneira que rejeitou papel nacional para Luiza Erundina, mas garantiu sua passagem para o segundo turno das eleições municipais.
Não porque se desconfiasse das virtudes públicas de um ou de outro. Apenas porque separou virtudes adequados ao plano federal de virtudes adequadas à gestão municipal.
Com o prestígio de Maluf e tudo, Celso Pitta não teria conseguido emplacar se não conseguisse consolidar sua imagem de administrador.
Marketing
Catequese política ou religiosa é questão de marketing. Marketing é a maneira técnica e criativa de expor propostas -seja de candidatos ou de produtos.
Por isso é tolice pretender criticar o uso abusivo do marketing nessas eleições. Se o candidato tinha melhor produto, e não conseguiu convencer a população, deve-se a erros do seu marketing político -não às virtudes do marketing adversário.
As eleições consagram dois marketings vitoriosos, em linhas políticas distintas. Numa ponta, o marketing de Paulo Maluf, em cima de soluções fundadas em conceitos de mercado -como o Plano de Assistência à Saúde (PAS) e o projeto Cingapura.
Na outra ponta, o chamado "modo PT de governar", tendo como idéias-chave o orçamento participativo e controle público sobre o Estado.
Embora uma análise apurada possa questionar os resultados alcançados na prática por um e outro modelo, como conceitos deverão se constituir em elementos polarizadores de futuras gestões municipais.

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