São Paulo, domingo, 6 de outubro de 1996
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O piercing e os rituais sexuais

O ressurgimento da cultura sexual do domínio e do controle, como atestam até adolescentes de ginásio que vivem experiências desse tipo, constitui uma reação direta à Aids, à ilegalidade das drogas, à falta de dinheiro e à redução do financiamento e do interesse pelas artes. A exploração sexual alternativa -especialmente quando não envolve a troca de fluidos com outros- é o único modo de expressão que resta, o único ritual capaz de induzir uma "reação de gozo".
A interação pode ser tão simples quanto um telefonema da namorada, mandando seu namorado vestir uma camisa de determinada cor e aparecer em sua casa dentro de 15 minutos, ou tão elaborada quanto uma escarificação mútua com facas ou mesmo tatuar o tótem de uma pessoa nos órgãos genitais de seu amante. Mesmo quando não há parceiro envolvido, fazer piercings e tatuagens constitui uma celebração do corpo físico e da sexualidade de quem os faz.
Andar na rua ostentando um alfinete em seu mamilo ou pênis -quer ele esteja ou não visível- é uma afirmação de valor propriamente sexual. Ou, pelo menos -como mais de um adolescente já me disse-, "é a única coisa na qual ainda podemos mandar nós mesmos". Piercings e tatuagens são como os pontos de poder que um grafiteiro espalha por seu território urbano, só que estão marcados na superfície do corpo. Cada piercing contém um objeto totêmico e serve de caminho para a passagem da energia daquele objeto.
Snowboard e o transe das raves
Enquanto a música do surfe é o "beach boy" lento e a dos skatistas é o rap de rua, a prática do snowboard é associada às raves. As raves, onde milhares de teens dançam ao som de música digital, são planejados para serem eventos que alteram a consciência de seus parti cipantes. As drogas psicodélicas, a música e a iluminação, tudo é feito visando mergulhar as pessoas num transe grupal. No fim da noite (ou seja, ao nascer do sol) os presentes querem sentir a si mesmos e aos outros como partes de um único meta-organismo. É uma coisa ao mesmo tempo futurística e intensamente tribal, que utiliza a tecnologia para promover fins profundamente espirituais.
As melecas e a crise cultural
Como as crianças de hoje enfrentam a crise social da intimidade sexual que se aproxima? A resposta pode ser encontrada nas lojas de brinquedos da cadeia Toys R Us: elas brincam com meleca.
A maioria dos adultos ainda se lembra dos produtos gosmentos, à base de algum tipo de massinha, com que brincavam quando eram crianças. Mas esses brinquedos tinham objetivos aparentes. O Play-Doh era uma massinha de modelar que podia ser reutilizada várias vezes, enquanto a Silly Putty era usada para copiar e depois esticar os moldes de imagens tiradas de histórias em quadrinhos.
Os brinquedos gosmentos de hoje, especialmente os produtos Gak e Floam (no Brasil, Geleca, Gelequinha ou Melequinha), celebram a sujeira por si só e servem como ótimo exemplo de como as crianças lidam com a crise cultural.

Trechos extraídos de "Playing the Future"

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