São Paulo, domingo, 6 de outubro de 1996
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Zapping e o século 21

Talvez a criança que segura o controle remoto realmente consiga manter sua atenção sobre um assunto por menos tempo, conforme a definição dada pelos psicólogos comportamentalistas das instituições acadêmicas de nossa cultura pré-caótica (elas próprias dedicadas a pouco mais do que preservar sua própria estatura histórica). Mas essa mesma criança é capaz de centrar sua atenção numa faixa muito mais ampla de coisas.
A habilidade que será valorizada no século 21 não será a concentração por muito tempo, mas a capacidade de efetuar tarefas múltiplas -de fazer muitas coisas ao mesmo tempo, e bem. As crianças que seguram o controle remoto nas mãos são capazes de assistir a dez ou mais programas ao mesmo tempo. Elas mudam instintivamente de um canal a outro, em tempo de acompanhar os acontecimentos importantes em cada um. Se vários programas importantes estiverem sendo transmitidos ao mesmo tempo, a "criança remota" não precisa gravar um deles para assistir mais tarde. Ela assiste aos dois ao mesmo tempo, mesmo porque "mais tarde" haverá outra coisa para se fazer ou assistir.
Power Rangers e o tecno-oráculo
Não intencionalmente, talvez, mas em todo caso inegavelmente, o tema maior do programa "Power Ranger" mostra ser a evolução que acompanha a evolução tecnológica. Além da maneira pela qual os Power Ranger utilizam a tecnologia para combater monstros saídos do passado tirânico, é na tecnologia que vão buscar sua orientação moral e espiritual.
Quando eles enfrentam problemas, procuram a orientação de Zordon, um sábio desincorporado, sem idade, que funciona como tecno-oráculo, vindo de dentro de um computador. Zordon, consciência pura que só pode ser acessada por meio de um aparelho de comunicação, demonstra que a sabedoria dos tempos imemoriais é capaz de nos falar por meio da tecnologia, do mesmo modo que os Power Rangers mostram como as crianças podem nos conduzir até nosso futuro evolutivo pelo mesmo caminho.
Gingrich versus Al Gore
Os temas encarnados pelos Power Rangers não passaram desapercebidos por outras instituições culturais, mais tradicionais. O presidente da Câmara dos Deputados, Newt Gingrich, defensor aberto de muitos dos pontos colocados pela série, convidou os Power Rangers para a primeira sessão do Congresso em 1994. Não foi uma jogada aleatória, visando apenas agradar a cultura popular. Mais do que quase qualquer outro político, Gingrich está ciente do poder que as imagens veiculadas na mídia têm de influir sobre a percepção que o público tem da política e do fazer político. Sua crença de que as tecnologias de mediação podem levar a democracia nos EUA a evoluir para a etapa seguinte é incorporada pelos heróis coloridos de ficção científica e é muito mais acessível às pessoas do que a linguagem e a estética da "superinfovia" propalada por Al Gore.
Tradução de Clara Allain

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