São Paulo, domingo, 6 de outubro de 1996
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Audiências e cafezinhos

CARLOS HEITOR CONY

Rio de Janeiro - Entre as muitas coisas que não compreendo, a mais estranha talvez seja o motivo de certas audiências que líderes da indústria e do comércio solicitam ao presidente da República.
Há aqueles que, como porta-vozes de reivindicações (legítimas ou não), solicitam ser recebidos e dão o recado. Até aí, tudo bem.
Ultimamente, esses empresários, com agendas complicadas, deixam seus misteres, enfrentam os aviões de carreira e vão a Brasília apenas para se declararem a favor da reeleição. Evidente que o ato bajulatório esconde algum nó numa pretensão (legítima ou não) que deve estar rolando nos canais do poder.
Evidente, também, que o assunto nem chega a ser mencionado na audiência. A presença do postulante é suficiente para lembrar que o assunto existe. E está entravado em alguma gaveta ou exigência legal.
Consumada a audiência, devidamente fotografada e registrada pela imprensa, explicitado o apoio à causa pessoal do presidente, o visitante dá uma passadinha nos gabinetes e anexos. Sai de Brasília empanturrado de cafezinhos e palmadinhas nas costas. No avião que o traz de volta a São Paulo ou Rio, ele acha que ganhou o dia. E talvez tenha ganho mesmo.
Como não sou empresário nem represento nada e ninguém a não ser eu mesmo, dias desses ainda pedirei uma audiência ao presidente. Pago regularmente os impostos federais, estaduais e municipais, sou vacinado, maior de idade (maior até demais para o meu gosto) e, embora sem muita convicção, posso me considerar um cidadão. Não tenho qualquer pleito, nada devo e nada me devem.
Mas gostaria de ter uma audiência com o poderoso do dia para lhe dizer que, na minha insignificância de cidadão, e ao contrário dos visitantes habituais, sou a favor da reeleição a partir do próximo governante. Colaborando com a austeridade nos gastos públicos, dispensarei os cafezinhos.

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