São Paulo, domingo, 6 de outubro de 1996
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A um passo da destruição

ANTONIO ERMÍRIO DE MORAES

A imprensa tem disseminado suspeitas segundo as quais alguns pacientes estariam sendo forçados a "pagar por fora" para ser atendidos com mais rapidez nos hospitais que mantêm convênio com o Sistema Único de Saúde (SUS). Fariam parte desse processo secretárias, enfermeiros e médicos.
O problema não é novo. E a solução é difícil. De um lado, o povo precisa do SUS, pois poucos são os que têm condições para pagar a caríssima medicina privada. De outro, alguns profissionais se aproveitam da situação usando expedientes que contrariam a ética do seu ofício.
Hipócrates anteviu tudo isso ao exigir dos médicos um juramento que diz: "Manterei a minha vida e a minha arte com pureza e santidade; evitarei qualquer ato voluntário de maldade e corrupção".
Não é fácil controlar os seres humanos -mesmo os que prestam juramento. Convém saber que os médicos que atendem o SUS não têm salário. Eles ganham por tarefa e dentro de uma tabela cujos preços precisam ser conhecidos do grande público.
Não se assuste. Para fazer um cateterismo coronariano o médico recebe do SUS R$ 19. Numa cirurgia cardíaca, o médico-chefe ganha R$ 134,15; o primeiro auxiliar, R$ 40,08; do segundo ao quarto auxiliar, R$ 26,79 cada um. O total é de R$ 254,60!
Para um parto, são R$ 114, sendo R$ 58 para o médico e R$ 56,00 para o hospital. Para um dia de UTI, o SUS paga R$ 15 (máximo de três dias). Para uma diária hospitalar, são R$ 3,24 -destinados a cobrir cinco refeições, roupa lavada diariamente, medicamentos etc.
Num quadro como esse, é de se indagar: de quem é a culpa?
O Brasil tem de encontrar uma saída para esse problema que, felizmente, atinge apenas a minoria de profissionais.
Mas a solução tem de ser presidida pela serenidade. Radicalismos só destroem, nada constroem. A questão tem de ser tratada no seu todo. Comparativamente, o SUS cobre apenas 1/6 do que é pago por doentes de convênios.
Nesse assunto, a temperança é essencial. Se os profissionais e os hospitais capitularem, eles abandonarão o SUS, passando a atender tão-somente quem pode pagar.
Aliás, o mercado é francamente comprador. Hospitais de boa qualidade são um excelente negócio. Os que cancelaram o convênio com o SUS se deram muito bem. Seus donos estão ricos. Mas, eles deixaram para trás uma importante pergunta sem resposta: quem cuida dos que não têm recursos?
Nada disso justifica condutas imorais, é claro. Elas devem ser combatidas com rigor. Os profissionais sabem muito bem que o SUS jamais será um mercado rendoso. Ao aceitarem trabalhar nessas condições, eles dão ao país uma superior prova de amor e uma inequívoca demonstração de solidariedade humana.
É com eles que devemos encontrar a solução. E o SUS terá de participar. Os recursos da saúde, além de insuficientes, têm sido mal distribuídos. Está provado: saúde não é prioridade neste país. Mas a hora é de construir e não de destruir.

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