São Paulo, segunda-feira, 7 de outubro de 1996 |
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Octavio Paz declara amor pela Índia
ARTHUR VERÍSSIMO
Para Paz, este livro era uma dívida para com ele mesmo. "Enquanto escrevia, recordava minhas velhas leituras sobre a arte e a civilização dessa nação (Índia), ou melhor, conglomerado de povos, culturas, línguas e religiões". Elegantemente, Paz retira o pesado véu que encobre a Índia e oferece ao leitor um quadro da complexa realidade indiana. A primeira parte do livro é uma pequena autobiografia de Paz. Conta sua carreira diplomática, que começou como uma vaga funcional na embaixada mexicana em Paris, entre 45 e 51. O convite para trabalhar na Índia foi recebido por Paz com grande surpresa. Neste período, vivia completamente imerso em sua atividade literária em Paris, convivendo com artistas e intelectuais. Suas posições ideológicas, porém, incomodavam certos políticos mexicanos. Sua transferência para Ásia coincidiu com a decisão do governo do México de abrir uma missão em Deli (em 1947, a Índia se tornou independente da soberania inglesa). O relato que segue é a chegada de Paz (em 51), de navio, no porto de Bombaim. Ele descreve sua excitação diante da realidade insólita que presencia. "O calor era sufocante e a desordem, indescritível. Creio que a Índia e o México tenham os piores serviços aduaneiros do mundo, torrentes de automóveis, ir e vir de pessoas, vacas esqueléticas sem dono, mendigos, rangentes carros puxados por bois abúlicos, rios de bicicleta, rajadas de fedores, matérias em decomposição, odores de perfumes frescos e puros." O que Paz observa não é nenhum mistério. Suas sensações são as mesmas que qualquer viajante que desembarca na Índia presencia logo no primeiro instante. Sua primeira estada durou pouco. Quando retornou, em 1962, é empossado embaixador do México na Índia, Afeganistão e Ceilão. Em Deli, conheceu Maria José, sua fiel e adorada mulher. O livro, a seguir, toma um outro rumo. Transforma-se em uma análise profunda entre as diferenças do politeísmo hindu e o monoteísmo muçulmano e mergulha no sistema de castas. Como assinala Paz: "A complexidade da Índia não se esgota com a divisão entre o hinduísmo e o islamismo e com a profusão de comunidades, religiões e seitas que vivem entre as duas grandes religiões. Outro elemento que deixa perplexo o observador é a instituição das castas. Limito-me a assinalar que há mais de três mil castas, cada uma com características próprias, seus rituais e suas divindades, suas regras de parentesco e seus tabus sexuais e alimentares". Sociedade de castas No ocidente, a família é a unidade básica. Na Índia, a unidade é a casta. "A casta é o contrário de nossas classes e associações, formadas por indivíduos. Nela, a realidade primordial é a coletiva. Não é um conglomerado de indivíduos, mas sim um círculo de famílias: se nasce, vive e se morre numa casta. Só há um caminho para sair da casta, além da morte: a renúncia ao mundo, a consagração à vida religiosa do ermitão". Paz não se detém apenas nesses temas. Nos arrasta também para a desconcertante babel que é a pluralidade de línguas existentes no sub-continente, com suas 179 línguas e 540 dialetos. O autor nos apresenta também um exame admirável da história política da Índia com seus principais estadistas (Ghandi, Nehru, Indira) e detalha a luta permanente de monarquias rivais. No século 19, com o império inglês, os povos na Índia foram governados por um poder central e com jurisdição sobre todo o território e seus habitantes. A atual unidade indiana é totalmente fruto da soberania britânica. Um detalhe que Paz não esclarece é a situação delicada do povo Sikh, que possui sua própria religião e encontra-se geograficamente num fogo cruzado entre hindus e muçulmanos. A grande maioria dos Sikhs vive no Punjab, entre o Paquistão e a Índia. No último capítulo, Paz aborda temas artísticos, filosóficos e sexuais. Cita poetas clássicos e apresenta antologias. Por fim, revela: "a Índia não entrou em mim pela cabeça, mas pelos olhos, os ouvidos e outros sentidos". Livro: Vislumbre da Índia - Um Diálogo com a Condição Humana Autor: Octavio Paz Tradutora: Olga Savary Preço: R$ 24,50 (200 págs.) Texto Anterior: Kazuo Ishiguro usa inspiração kafkiana em "O Desconsolado" Próximo Texto: Admiradores falam no "Clube do Tom" Índice |
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