São Paulo, terça-feira, 8 de outubro de 1996
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A miséria do capitalismo global

HERBERT DE SOUZA

Há várias formas de combater o capitalismo global. Uma é a crítica teórica, que começou com Marx, centrada na denúncia ideológica do neoliberalismo. Outras se manifestam mais por suas propostas e ações do que pelas reflexões sobre a lógica do capitalismo contemporâneo.
A luta pela erradicação da miséria é incontestável, universal e radical. Ninguém se aventura a defender a miséria ou justificá-la como fenômeno divino ou natural. Muitos tentam contorná-la por intermédio de propostas tipo "band-aid", como fazem o Banco Mundial e outras agências internacionais, por meio do conceito de "poverty alleviation".
Com o fracasso histórico dos países socialistas, submetidos à lógica do capital ou capitalismo estatal e o pretenso fim da era do socialismo como proposta, os ideólogos do capitalismo sentem-se como se realmente a história tivesse terminado.
O que está terminado, na verdade, é a história do capitalismo mundial por obra de suas mãos, da lógica excludente, global e geradora da miséria em escala mundial. Está difícil aceitar a história atual quando a miséria cresce e a exclusão explode por todas as partes.
O apartheid social em escala mundial é a cara visível do capitalismo global. Essa realidade nunca esteve tão clara como nos dias de hoje. Dados sobre a miséria mostram essa realidade. Um dos novos dogmas do nosso tempo que explica tudo e não justifica nada.
A riqueza se concentrou, a miséria se expandiu e todos admitem que o capitalismo é hegemônico no mundo. Ou não? O capital teve a capacidade de, até um certo tempo, ligar organicamente capital com trabalho, empresário e trabalhadores, produtores e consumidores pelo mesmo processo de exploração do trabalho. Criou também uma classe média que hoje vive dias de amargura. Mas o capital separou produtor social e política do trabalhador.
Há algumas décadas, o capital explorava o trabalho para se desenvolver. Hoje, dispensa o trabalho vivo para poder se desenvolver ainda mais. Estamos avançados nesse caminho da empresa sem trabalhador, da economia sem empregos, do consumidor sem renda.
Nada parece deter esse rumo em direção ao grande apartheid global, onde uma minoria detém cada vez mais poder e riqueza e uma crescente maioria é excluída e jogada na indigência mais cruel de todos os tempos.
Os miseráveis de hoje vivem ao lado da riqueza absoluta sem nenhuma chance ou proposta de reversão desse quadro. Os sete grandes já se reuniram várias vezes para tratar da miséria e do desemprego. Sempre terminaram sem apresentar qualquer proposta, porque são prisioneiros da lógica da exclusão e foram eleitos para defendê-la até o fim.
Que país capitalista da Europa e da América do Norte tem alguma proposta que possa ser efetivamente levada a sério? Que proposta tem o Banco Mundial ou o FMI? Quem propõe uma reversão total no esquema da globalização? Não se trata de voltar ao local ou ao nacional, mas de empregar, incluir gente, fazer da economia uma ciência para o desenvolvimento de todos e não da minoria, também em escala global.
Que lugar se dá às milhares de formas de geração de emprego e renda que passem pela microempresa, pela propriedade rural familiar e que não privilegiem os grandes conglomerados financeiros e industriais que há muito desgovernam o mundo?
A sociedade moderna ainda tem a chance de mudar o rumo desse Titanic, mas o tempo é curto. Essa obra é essencialmente política e deveria acontecer antes que a bomba social seja detonada por todas as partes, destruindo o que ainda resta de humanidade entre nós.
Cada novo desempregado, cada marginal, cada pessoa passando fome é um passo à frente a caminho do desastre irreversível. Com a natureza estamos destruindo a própria humanidade, não só por meio das armas nucleares ou convencionais, mas da arma social que tem na economia o seu arsenal maior.
Os economistas são os generais de nosso tempo. Não foi por acaso os dois terem se dado tão bem na ditadura militar.
Enganam-se aqueles que criticam a Ação da Cidadania por lutar contra a fome, pelo emprego e democratização da terra como obra ingênua de um punhado de utópicos. Essas pessoas não são capazes de perceber o rumo do Titanic global e vão se afogar quando o tempo chegar.

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