São Paulo, quinta-feira, 10 de outubro de 1996
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Stephen King ressuscita seu 'heterônimo sem escrúpulos'

MATT ROUSH
DO "USA TODAY"

"Nunca vivi um ano como este e nunca mais vou. Ainda bem." É com estas palavras que o rei da ficção-pesadelo Stephen King confessa que nos últimos meses passou noites sem dormir, e por obra dele mesmo.
"Foi em março. Eu estava no Colorado, trabalhando na versão em minissérie de "O Iluminado" (da ABC). Passei uns cinco ou seis dias sem conseguir dormir nada. Quando a coisa estava para começar, percebi que talvez fosse o maior erro de minha vida."
"A coisa" à qual se refere foi o lançamento de "The Green Mile", um romance sobre condenados à morte, dividido em seis partes publicadas mensalmente em edição de capa mole.
King não imaginava que iria se tornar um de seus maiores sucessos de crítica e de público nos últimos anos, tendo vendido, pela última contagem, mais de 3 milhões de cópias de cada parte.
Depois, lançou dois livros em capa dura, que ele descreve como "gêmeos fraternos". "Desperation" (Viking, US$ 27,95) é um violento épico estilo bem-contra-mal, e "The Regulators" (Dutton, US$ 24,95) é uma fantasia mais enxuta e sombria, assinada por seu pseudônimo, que se presumia estar morto, Richard Bachman.
Quando colocadas lado a lado, as duas capas dos livros formam a figura de um coiote rosnando. Há ainda personagens que compartilham os mesmos nomes, mas que têm destinos diferentes, embora igualmente sangrentos.
Os livros de capa dura já estavam prontos quando ele aceitou fazer o romance seriado. Mesmo em seus momentos de maior ansiedade e insônia, King diz que nunca se arrependeu. "Adorei a proposta. Quando eu era criança, adorava ler esse tipo de história no 'Saturday Evening Post'."
Stephen King diz que, inicialmente, os editores relutaram diante da idéia do seriado. "Só concordaram porque era eu." Agora estão igualmente nervosos com o lançamento em dose dupla, a um preço bem mais salgado do que o das versões de outros livros de King, que custam US$ 2,99.
Então por que ele fez tudo isso?
"Foi uma idéia que me veio à cabeça. Quando isso acontece eu não discuto com a idéia. Vou lá e faço, simplesmente." Stephen King começou a escrever "The Regulators" no dia depois de terminar "Desperation". "A voz interna me disse: 'Escreva esse livro como Bachman'. Eu estava dialogando com minha voz interior."
Como assim?
"Um escritor é uma pessoa que é autorizada a ouvir vozes", explica King, educado. "Tem gente que dá dinheiro a caras como eu para que a gente ouça as vozes que falam dentro de nossas cabeças."
Seja como for, King retrucou a sua voz interior que havia aposentado Bachman em 1985 -o ano em que os jornais divulgaram que King era Bachman, com o lançamento do sexto livro assinado por Bachman, "Thinner".
"Eu disse a todo mundo que Bachman havia morrido. Mas o romancista dentro de mim diz que deve haver uma continuidade. A voz interior sugere que talvez ele tenha deixado muitos manuscritos. 'The Regulators' só saiu porque o livro é de Bachman."
King diz que seus romances "gêmeos" têm muitas coisas em comum, fato que ilustra sua teoria de que "uma história é como um ponto. Um número infinito de linhas pode passar por esse ponto. "'Desperation' é sobre Deus. E 'The Regulators' é sobre o deus americano: a televisão."
No último, personagens de um seriado de TV que lembra "Power Rangers" e de um western B dos anos 50 ganham vida e espalham terror numa cidadezinha em Ohio.
"Para mim, foi uma maneira de dizer o que pode acontecer se você pegar os elementos e personagens básicos (de "Desperation") e os entregar na mão de alguém que é bem mais frio do que eu. Na minha própria cabeça, eu sou um sujeito simpático, enquanto Richard Bachman era um filho da puta desalmado -um Stephen King destituído de consciência."

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