São Paulo, sexta-feira, 11 de outubro de 1996
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A rebelião dos Estados

CELSO PINTO

A rebelião de oito Estados menores, liderados pelo governador do Espírito Santo, Vitor Buaiz, tem uma bandeira sedutora, mas discutível. A retórica é de um levante dos mais pobres contra a discriminação de Brasília em favor dos Estados mais ricos. Será?
O negociador de Brasília com os Estados, Pedro Parente, secretário-executivo da Fazenda, lembra que o programa de refinanciamento começou com o Mato Grosso e passou até agora por Mato Grosso do Sul, Pará e Sergipe, antes de chegar aos pesos-pesados: Rio Grande do Sul e Minas Gerais. Como entre esses Estados só os gaúchos e os mineiros têm dívidas mobiliárias (em títulos) relevantes, também não procede dizer que o pacote de Brasília foi desenhado só para quem consegue emitir títulos.
A lista de reivindicações dos rebeldes é ambiciosa. Eles pedem uma moratória de três meses, refinanciamento em 30 anos das dívidas, inclusive as renegociadas recentemente, e redução do total da receita usada para pagamento de dívidas de 11% para 6%.
A lista explica a rebelião. O governo federal já disse que não aceita rediscutir dívida renegociada recentemente, numa tentativa de não desmoralizar acertos como o que está sendo feito agora. O limite de pagamento de 11% da receita subirá para 13%, tanto no caso de Minas quanto no do Rio Grande do Sul, e ainda assim é um bom negócio no curto prazo para esses Estados. Ou seja, os oito governadores querem um acordo especial, por isso estão tentando viabilizá-lo pela via política, não técnica.
Suponha que Brasília ceda. Estará resolvido o problema?
Longe disso. O Espírito Santo de Buaiz, por exemplo, não tem um problema de excesso de dívida e sim de excesso de gasto corrente: a folha de pessoal consome 100% da receita líquida. Como o Estado tem algumas dívidas que não pode deixar de pagar, acaba usando parte da receita para isso. O resultado são atrasos de salários.
Se a dívida desaparecer, ainda assim o Estado continuará acumulando, a cada mês, um novo buraco. Ou Brasília abre um "dinheiroduto" mensal para Vitória, ou o Estado continuará quebrado. Buaiz está batalhando bravamente com sua Assembléia tentando cortar despesas, enfrentando a ira de seu partido, o PT. Infelizmente, não há um atalho fácil para substituir essa briga.
A crise dos Estados não nasceu com os atuais governadores, embora tenha crescido com alguns deles. Todos os Estados foram vítimas da inflação baixa e dos juros altos.
O economista Raul Velloso, especialista em contas públicas, colocou num gráfico a história recente dos salários do funcionalismo federal. Em todos os governos recentes, houve movimentos cíclicos de altas seguidas de baixas nos salários.
O salário médio efetivamente embolsado pelo funcionário, contudo, ficou pouco acima de R$ 2.000, em dinheiro de hoje, entre 86 e 94. No final do governo Itamar Franco e início do governo Fernando Henrique houve outro salto cíclico dos salários, só que, com o fim da inflação, o salário não caiu depois: ficou perto de R$ 3.000. O cenário nos Estados certamente foi muito parecido.
O governo federal, contudo, conseguiu manter as despesas com pessoal em 63% das receitas líquidas, enquanto nos estados elas subiram para 80% a 100%. Por quê?
Uma explicação, diz Velloso, está na esperteza de Brasília, que engordou nos últimos anos a Contribuição Social sobre o Lucro e a Cofins, que, por não serem impostos tradicionais, não precisam ser divididos com os Estados e, juntos, já respondem hoje por 27% da receita federal. Enquanto a Cofins cresceu 173% acima da inflação de 92 a 95, e a Contribuição sobre o Lucro, 66%, o Imposto de Renda subiu 36%, e o IPI, 4%. O dinheiro das duas contribuições, na prática, ajuda a pagar aposentados e aliviar o peso dos gastos com pessoal do governo federal.
É justo, portanto, que Brasília ajude os Estados a se reequilibrarem, mas é inútil e perigoso se isso não vier em meio a um programa sério de ajuste e privatizações. Repassar a conta para Brasília não zera o buraco, apenas o muda de lugar.

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