São Paulo, sexta-feira, 11 de outubro de 1996
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O 'capital intelectual'

LUÍS NASSIF

Recentemente, surgiram reportagens na imprensa sobre o chamado "capital intelectual". É conceito que confere ao talento individual valor semelhante ao capital financeiro ou patrimonial propriamente dito.
É bom prestar atenção ao conceito, que é uma das idéias-chave do processo de modernização e globalização da economia.
Historicamente, o capital financeiro e patrimonial sempre foi insumo escasso na economia brasileira. O financeiro permitia financiar negócios; o patrimonial dava acesso a crédito.
Por ser escasso, esse tipo de capital detinha todas as vantagens comparativas e acabou comandando (e emperrando) o processo de desenvolvimento brasileiro.
As pessoas que dispusessem apenas do "capital intelectual" ou terminavam empregados do detentor de patrimônio ou arriscavam-se a ser empreendedores.
Como empregados, jamais conseguiam proporcionar à empresa contribuição à altura de seu talento, porque -com as exceções de praxe- vigorava o modelo patriarcal de gestão, no qual prevalecem o emocionalismo, a competição com os gestores familiares e a falta de critérios objetivos de avaliação de talentos.
Para quem se dispunha a ser empreendedor, o quadro não era muito mais favorável. Muitos especialistas na matéria acabavam se perdendo em outros aspectos do negócio com os quais tinham pouca familiaridade.
Eficiência
Com a globalização da economia, a reorganização da poupança e a disseminação do modelo de democratização de capital (em torno de fundos de pensão ou de investimento), esse quadro se altera substancialmente, proporcionando aumento relevante na eficiência das empresas e da economia como um todo.
Há uma aliança entre gestores de capital financeiro e detentores de capital intelectual que é responsável pelo início da profissionalização das empresas familiares e da reestruturação empresarial brasileira.
Os primeiros a perceber o potencial do "capital intelectual" foram firmas de engenharia que cresceram nos anos 60 e 70, na forma de sociedade de cérebros.
Nos anos 80, esse modelo explodiu por meio dos bancos de negócios, que criaram formas complexas de medir o desempenho de cada sócio e conferir-lhe participação acionária flutuante -se o desempenho cai, cai também sua participação no capital. O sujeito termina a vida rico em dinheiro e em úlceras estomacais.
Agora, está em ponto de bala a extensão desse modelo para outros setores da economia.
Modelos
A preferência dos investidores institucionais é por empresas que tenham gerência precária. Basta adquiri-las e trocar a gerência para obter valorização substancial do ativo. É o que ocorreu com as estatais e com muitas empresas privadas familiares.
Nessa linha, há dois modelos de atuação em jogo.
Um -protagonizado pelo Banco Garantia- consiste em o banco adquirir o controle e se responsabilizar pela gerência das empresas. Qual a dificuldade maior? Justamente a escassez de "capital intelectual". Abre-se um leque em novas áreas, pouco conhecidas do banco, e se perde um precioso tempo de aprendizado.
Embora bem-sucedido em algumas operações -como a Brahma-, o Garantia tem acumulado uma série de prejuízos na Lojas Americanas e na Artex.
Outra linha -seguida pelo Banco Pactual e, ultimamente, pelos fundos de pensão- consiste em participar minoritariamente de empreendimentos liderados pelos tais detentores de "capital intelectual", que podem ser empresas menores, bem administradas, ou grupos de executivos do setor.
O banco parte do pressuposto de que sua excelência é no campo financeiro. Sabe reestruturar ativos, modelar processos de fusão e incorporação e providenciar capitalização de empresas.
Mas ninguém conhece melhor o negócio do que quem já trabalha no meio. Sua estratégia consiste, portanto, em identificar e se associar aos melhores especialistas.
A longo prazo, a estratégia do Pactual parece mais eficiente.
Seja qual for a estratégia vitoriosa, tem-se aí uma tendência irreversível na modernização do capitalismo brasileiro.

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