São Paulo, sexta-feira, 11 de outubro de 1996
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Kabakov fala de seu 'lugar imprevisível'

MARCELO REZENDE
DA REPORTAGEM LOCAL

Para os visitantes da 23ª Bienal Internacional, uma das dificuldades iniciais com o trabalho do russo Ilya Kabakov é descobrir, exatamente, o que é -ou onde está- a obra de arte.
Um russo que vive parte do tempo entre Nova York e Moscou, Kabakov, 63, faz instalações sobre o país de suas recordações, a desaparecida União Soviética.
A intenção é o espanto. Oferece aos seus espectadores o desconforto com poucos elementos: o ambiente claustrofóbico, os tons aborrecidos de cores e vozes que repetem textos de um tipo particular de teatro. Com Kabakov, os dramaturgos Samuel Beckett e Harold Pinter parecem ter avançado para fora do palco.
"A Rússia é um lugar imprevisível. Lá pode nascer tanto uma nova vanguarda quanto pessoas voando no céu", disse em entrevista à Folha, enquanto montava "Two Doctor's Rooms", o hospital psiquiátrico que trouxe para a mostra Universalis.
*
Folha - O que é a instalação?
Ilya Kabakov - Aqui há duas cabines de uma instituição médica, onde acontece um diálogo entre pacientes e os doutores. Provavelmente é um hospital psiquiátrico.
Em uma das salas de espera do hospital há quadros de pessoas voando. No outro corredor há imagens de pessoas que descobriram como ir para o espaço.
Ao ouvir as vozes se descobrirá que o paciente fala ao seu médico de uma capacidade que possui: voar pelos céus. Isso é uma invenção, um talento ou uma doença?
Um segundo paciente está contando sobre sua família. Ele passou a maior parte da sua vida morando dentro de um armário. E é dentro desse lugar que ele descobre um poderoso tipo de energia, algo que pode levá-lo para o Espaço.
Folha - Como o sr. chegou à instalação?
Kabakov - Penso que é puro destino. Eu nunca faço escolhas. Nunca seleciono o que vou realizar em minha vida. Tudo apenas acontece. Na verdade meu trabalho como pintor ainda está presente agora. Sempre há telas e desenhos em minhas criações.
Folha - Entre o artistas da Bienal, vários confessam desconhecer o tema da mostra (a desmaterialização da obra de arte no final do milênio), em que talvez haja uma condenação às telas e tintas.
Kabakov - Eu não dei muita atenção a esse tema da Bienal, mas como eu já disse tudo que acontece comigo é uma coisa de destino. Esse meu trabalho é uma instalação sobre o fim de muitas coisas.
Folha - E como vender ao mercado norte-americano os restos da União Soviética?
Kabakov - O artista não deve se preocupar com o mercado. O mercado de arte ou qualquer outro. Isso é um problema deles, não meu ou de qualquer artista. A galeria sabe como vender qualquer coisa.

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