São Paulo, sexta-feira, 11 de outubro de 1996 |
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Uma lancha no Parnaíba JOSÉ SARNEY Meu avô dizia que quando alguém desejasse rogar uma praga para um inimigo devia pedir: "Deus lhe dê uma lancha no rio Parnaíba". Quem tivesse ali uma lancha, era só trabalho e sofrimento dia e noite. Mais que o inferno: o infortúnio eterno. Não há maior maldição para os candidatos a uma eleição do que um segundo turno. E pior do que votar contra um candidato é desejar-lhe um segundo turno. É uma outra eleição, as coisas voltam à estaca zero, a canseira, que parecia acabada, vai continuar mais. Os argumentos e debates que se arrastaram durante dois meses se repetem e dão sono ao eleitor. Os que não foram eleitos estão ressentidos. Os que estão vitoriosos (vereadores) exigem cobras e lagartos para participar. E o resultado é que o candidato fica só, e haja trabalho! Mas por que o segundo turno? Nós da UDN, na eleição de Juscelino, pela palavra de fogo de Carlos Lacerda, levantamos a tese de que um candidato eleito por uma minoria, que não tivesse maioria absoluta, não podia ser presidente do país, faltava-lhe legitimidade. Foi um Deus nos acuda. Uma parcela do Exército tomou posição e a idéia invadiu os quartéis e foi a base teórica do famoso 11 de novembro. Desde então, a maioria absoluta passou a ser um objetivo de legitimidade e pureza do nosso regime e a Constituição de 88 aceitou a tese. No regime parlamentarista, a maioria absoluta se forma no Parlamento, pois sem ela, como se dizia no Império, "não se faz governo". Nos Estados Unidos, essa maioria absoluta é dos delegados dos Estados e não do voto popular. Tanto que é possível, em teoria, um candidato ter menos votos e ser eleito presidente. De Gaulle criou o voto de "duas voltas" na França, para eleição de deputados distritais, já por outros motivos. Ele desejava que o voto ideológico aparecesse no primeiro turno, mas fosse excluído do segundo, sendo o eleito, por maioria absoluta, o representante do povo, é óbvio, conservador. Aqui, tudo foi feito sem ninguém saber por quê. A verdade é que não há sentido, sendo apenas um complicador, realizar-se um segundo turno para eleições de prefeito e governador. O que ajudam? Apenas fazem piorar os costumes políticos. Rompem fidelidades e ocorre aquilo que falava o Cunhal, líder comunista em Portugal: "É o voto com o lenço no nariz". Não se vota a favor, vota-se contra alguém. Eles não representam o exercício de nenhuma soberania, como o presidente. Este sim, para ter autoridade nacional e internacional precisa respaldar-se na maioria absoluta. Assim mesmo, a Argentina criou um mecanismo de segundo turno que só ocorre desde que o candidato mais votado tenha menos de 40%, para evitar uma eleição sem finalidade, e inócua. Precisamos imediatamente reconstruir nosso arcabouço político e esse é um tema que deve ser discutido. Enquanto não o fizermos, os que vão disputar, agora, o segundo turno irão comer o pão que o diabo amassou e amargar o fel de ter uma lancha no rio Parnaíba. José Sarney escreve às sextas-feiras nesta coluna. Texto Anterior: Direito de não votar Próximo Texto: A USP e o "provão" do MEC Índice |
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